Ele não revolucionou a física
quântica, não descobriu a cura para o câncer e nem sabe a fórmula exata para
reverter as mudanças climáticas. No entanto, o aposentado José Alcino Alano, de
Tubarão (SC), fez uma pequena revolução na vida de milhares de pessoas ao
criar, em 2002, um coletor solar usando materiais recicláveis.
Oriundo de uma família com poucos
recursos financeiros, José Alcino, começou a trabalhar aos 17 anos, sem
concluir o ensino médio. O trabalho de aprendiz em eletromecânica despertou a
sua paixão e o pouco conhecimento que tinha na área o fez buscar um curso de
elétrica por correspondência. Aos 19, ele teve uma oportunidade que mudou sua
vida profissional, como ressalta: um curso teórico-prático sobre eletromecânica
em Porto Alegre.
Casado com Lizete há 40 anos,
José Alcino é um homem de hábitos simples. Entre seus hobbies preferidos estão
um bom livro ou filme, reunião com família e amigos, além de “tentar encontrar
soluções que facilitem o nosso cotidiano”. Entre essas tentativas, surgiu o
coletor solar, uma experiência para tentar resolver o acúmulo de materiais
recicláveis aglomerados em casa. Então, com apenas 100 garrafas PET ele e a
esposa construíram o protótipo do aquecedor solar, que funciona até hoje.
"Não podemos nos comportar como se fosse à última
geração, destruindo e consumindo de maneira irracional"
O aposentado patenteou o invento
para garantir que nenhuma empresa se apropriasse indevidamente da criação e
disponibilizou o manual, com a construção passo a passo, na internet. Na época,
o custo total do projeto não passou de R$ 83,00. Mas os frutos da experiência
foram além dos 30% de economia na conta de energia.
Em 2004, José Alcino conquistou o
Prêmio Super Ecologia, na categoria solo, e, anos depois, uma parceria com a
Companhia de Eletricidade do Estado de Santa Catarina (Celesc) distribuiu 10
mil manuais em comunidades de baixa renda, resultando no benefício direto de 7
mil pessoas no estado.
“A proposta não foi apenas
oferecer um projeto simples para autoconstrução, mas sim chamar atenção sobre a
baixa utilização do sol como fonte de aquecimento d’água para consumo, em um
país ensolarado como o Brasil, e desmitificar que aquecedor solar é privilégio
de classes sociais abastadas”, ressalta. Leia a seguir a entrevista exclusiva,
na íntegra, que José Alcino Alano concedeu ao Portal Ecodesenvolvimento.org,
via e-mail.
EcoD - O senhor é um autodidata. Só estudou elétrica, eletrônica e
afins em cursos rápidos e por correspondência ou por meio dos livros. Já
gostava de inventar antes do coletor solar?
José Alcino - Não me considero um inventor. Mas diante das
dificuldades impostas pela vida, aliadas a busca pela sobrevivência, com boa
vontade e obstinação as ideias surgem e ao serem postas em prática algumas se
tornam viáveis de utilização particular ou coletiva.
EcoD - Como surgiu a ideia de construir um coletor solar a partir de
materiais recicláveis? E por que patentear o invento com finalidade social?
Quem nasceu na década de 50, como
eu e minha esposa, acompanhou toda essa transformação que ocorreu em várias
áreas, principalmente no que diz respeito à tecnologia. Até a década de 70, com
exceção dos enlatados, os demais alimentos eram disponibilizados em embalagens
retornáveis. Atualmente chegamos ao absurdo: o peso do lixo produzido
aproxima-se ao do alimento consumido. Consumir é fácil, mas qual destino dar a
essas embalagens pós-consumo?
No caso de algumas dessas
embalagens, o valor de mercado é tão baixo que não desperta o interesse, tanto
dos catadores quanto das empresas de reciclagens. Somos pessoas simples, mas
cientes das nossas responsabilidades como consumidores, já que desfrutamos de
vários serviços e produtos em nosso dia a dia.
Ao guardarmos as embalagens, do
nosso próprio consumo, o acúmulo foi inevitável. Como tínhamos um conhecimento
básico sobre aquecimento por energia solar, em 2002 resolvemos construir um
coletor solar com 100 garrafas, o qual se mostrou eficiente, dentro das
limitações de um aquecedor solar alternativo. O projeto sempre contou e conta
com o apoio total da família. Mas somente após a conquista do Premio
Superecologia, oferecido pela revista Superinteressante em 2004, é que o mesmo
ganhou conhecimento público e parcerias foram firmadas.
Quanto ao porquê do registro no
Inpi, três foram os motivos:
- Poder
de controle e restrição para fins político-partidários;
- Impedir
a produção do mesmo por empresas do ramo;
- Disponibilizar
sem restrições para autoconstrução, ou como gerador de renda em
comunidades com baixa renda por meio de cooperativas.
O senhor disponibilizou na internet um manual para quem quiser
construir seu próprio coletor solar. Qualquer um pode confeccionar o produto ou
é necessário conhecimento técnico?
Sim, o objetivo é que a pessoa
interessada leia o manual sobre o projeto com bastante atenção. O processo é
simples, mas é fundamental que a pessoa compreenda como funciona um aquecedor
solar por convecção térmica (termossifão) e tenha um conhecimento básico sobre
hidráulica, ou tenha a assessoria de um encanador.
O primeiro protótipo que o senhor construiu ainda funciona? Qual
economia que ele representa?
Construímos o primeiro em 2002 -
ele permanece em funcionamento. Mas devido à opacidade acentuada das garrafas
PET o mesmo já apresenta uma eficiência abaixo da ideal. Por falta de tempo,
ainda não trocamos as garrafas, mas em condições normais a economia de energia
elétrica, em residências com poucos eletrodomésticos, pode chegar aos 30%.
O coletor solar proposto pelo senhor beneficia o meio ambiente de ambas
as formas: reaproveitando o material reciclável e aproveitando a energia do sol
- abundante, gratuita e renovável. O seu estímulo sempre foi conservar o meio
ambiente humano.
Eu e minha família não estamos
fazendo nada de extraordinário ou a favor do meio ambiente. É uma questão de
sobrevivência! Não podemos nos comportar como se fosse à última geração,
destruindo e consumindo de maneira irracional!
Temos a consciência da singeleza
deste sistema de aquecimento solar, mas enquanto nos derem a oportunidade
prosseguiremos tentando mudar conceitos imediatistas. Sem radicalismo, mas de
maneira obstinada e contínua.
O seu invento faturou o “Prêmio Superecologia”, da revista
Superinteressante, em 2004, e virou projeto do governo catarinense em 2009,
beneficiando mais de 7 mil pessoas. Você acredita que o coletor solar já
cumpriu sua função?
Quando o mesmo foi disponibilizado
em domínio público, a proposta não foi apenas oferecer um projeto simples para
autoconstrução, mas sim chamar atenção sobre a baixa utilização do sol como
fonte de aquecimento d’água para consumo, em um país ensolarado como o Brasil,
e desmitificar que aquecedor solar é privilégio de classes sociais abastadas.
Este aquecedor com garrafas PET é
apenas mais uma opção, pois atualmente o mercado oferece uma variedade de
aquecedores solares industrializados acessíveis a todos os bolsos.
O projeto também nos permite
continuar conscientizando as pessoas da responsabilidade que todos devem ter,
levando-os a reavaliar o impacto causado pelo seu estilo de consumo e a
destinar corretamente as embalagens descartáveis para a reciclagem.
O que o senhor diria às pessoas que sonham em seguir seu exemplo e
querem criar um invento que possa transformar a vida das demais?
Se o projeto a ser implantado tem
um fim social, sem retorno financeiro, parcerias serão indispensáveis para
viabilizarem a implantação e disseminação do mesmo entre a população.
Considero que de início foi o
Prêmio Superecologia o responsável por atrair, de forma espontânea, as
parcerias importantes que nos apoiam. Mas certamente tem sido o modo
responsável com que implantamos os projetos nas entidades ou em residências de
famílias com baixa renda que tem evitado qualquer mal entendido e mantido as
parcerias até hoje.
Mesmo quando nos deslocamos para
outras cidades ou estados, as nossas despesas são ressarcidas, mediante
comprovação por notas fiscais. Penso ser a honestidade e credibilidade
ingredientes indispensáveis a qualquer atitude humana, justificando a nossa
restrição à classe política de se utilizarem do projeto.
Quais são suas considerações finais?
Não poderia encerrar esta
entrevista sem registrar alguns agradecimentos: a Celesc (Centrais Elétricas de
Santa Catarina AS); a Tractebel Energia; a Sema (Secretaria do Meio Ambiente do
Paraná), que desde 2006 leva oficinas para quase todos os municípios
paranaenses; e à imprensa, por compreender os reais objetivos do projeto.
Fonte: Ecodesenvolvimento.com