Comparado ao tamanho dos rios amazônicos, o Tietê é um
regato. Nas estatísticas, porém, é uma catarata de superlativos. Estudo inédito
do Estadão Dados mostra que o Tietê e seus afluentes formam a bacia
hidrográfica mais populosa, mais rica e mais poluída do Brasil. É também a de
maior desenvolvimento humano do País.
A produção da bacia do Tietê soma R$ 1 trilhão por ano. A
cada R$ 4 do PIB brasileiro em 2010, R$ 1 saiu do entorno do rio e de seus
tributários. Às suas margens ou perto delas moram 30 milhões de pessoas, a
maior população ribeirinha do País, com médias de 10,6 anos de estudo e 75,3
anos de vida.
O Rio Tietê - cujo dia foi comemorado no último domingo (22) - nasce acima dos
mil metros de altitude, nas encostas da Serra do Mar, em Salesópolis, a leste
da capital. Corre 1.136 quilômetros para o interior, por 73 municípios
paulistas. Deságua no Rio Paraná, entre Itapura e Castilhos, 300 metros acima
do nível do mar. São apenas 740 metros de desnível da nascente à foz, ou 1
metro de declive a cada quilômetro e meio de percurso, em média.
Mesmo assim, as quedas do Tietê são famosas desde antes dos
bandeirantes. Uma das maiores cachoeiras era chamada pelos índios de utu-guaçu,
ou salto grande. Acabou por batizar as cidades de Itu e Salto.
Para fugir desse trecho inicial tortuoso e cheio de
corredeiras, a navegação rio abaixo entre os séculos 18 e 19 começava em
Araritaguaba, atual Porto Feliz, com destino às minas de ouro de Cuiabá. Por só
poderem ser feitas em parte do ano, no período de cheia do rio, as expedições
eram chamadas de monções - como as navegações portuguesas pelo Índico.
As longas canoas eram escavadas em enormes troncos
derrubados ao longo das margens do rio e seus afluentes, como o Piracicaba.
Escavadas na madeira maciça, levavam mantimentos, ferramentas e escravos para
as minas, e traziam ouro.
Hoje, a hidrovia Tietê-Paraná percorre 2,6 mil quilômetros e
transporta 6 milhões de toneladas de cargas anualmente, entre insumos e grãos.
Um comboio de seis barcaças carregadas tira 210 carretas das estradas, gastando
um quarto do combustível e emitindo um terço da quantidade de carbono.
Na época das monções, as canoas demoravam semanas ou até
meses para chegar ao Paraná. Entre outros motivos, porque tinham de ser
carregadas por terra em varadouros como o do traiçoeiro salto do Avanhandava. O
salto foi inundado nos anos 1980 pelo reservatório da usina de Nova
Avanhandava.
Nenhum acidente natural resiste no trecho entre Conchas e a
foz. Foi construída mais de uma dezena de barragens ao longo do maior rio
paulista, para aproveitamento hidrelétrico. Em seu curso, o Tietê gera até 2
mil megawatts de energia.
Em Pereira Barreto, a cerca de 50 km da desembocadura, um
canal desvia parte do Tietê para o Rio São José dos Dourados, que corre
paralelo e na mesma direção. As águas canalizadas ao norte ajudam a girar as
turbinas da hidrelétrica de Ilha Solteira, no Rio Paraná.
Desenvolvimento. O rio foi determinante na fundação da maior
cidade do hemisfério sul e na ocupação do território ao seu redor. Nas últimas
décadas o desenvolvimento se estendeu do alto ao baixo Tietê.
O IDH na sua bacia é 14% maior do que a média do Brasil.
Porque a esperança de vida ao nascer é também mais alta: 75,3 anos. É bem
diferente de 100 anos atrás, quando as margens e várzeas do Tietê eram evitadas
pela população temerosa das enchentes e de doenças como a malária.
Na educação, a expectativa de anos de estudo na bacia do rio
é 11% maior do que a média brasileira (9,5 anos). A desigualdade de renda é
menor do que no resto do País. O índice de Gini ao longo do Tietê varia de 0,33
a 0,67 (quanto mais próximo de 1, mais desigual), mas, na média, esse valor é
de apenas 0,44 - ou 27% menor do que a média do Brasil.
O desenvolvimento econômico e demográfico custou caro ao
rio. A qualidade de suas águas, cristalinas em Salesópolis, torna-se apenas
"boa" em Biritiba-Mirim, "razoável" em Mogi das Cruzes e
"ruim" em Itaquaquecetuba.
Na confluência com o Rio Aricanduva, já em São Paulo, fica
"péssima", e segue assim por mais 200 quilômetros, até o desemboque
do Sorocaba, em Laranjal Paulista. A seguir vêm mais 130 quilômetros de água
ruim. Ela só volta a ficar boa em Barra Bonita.
A degradação se deve ao despejo de efluentes industriais e
de 595 bilhões de litros de esgoto doméstico não tratado todo ano no rio - 40%
do total do Brasil. Só a capital é responsável por jogar 750 milhões de litros
de esgoto em estado puro no Tietê diariamente.
Apesar disso, na maior parte de seu curso, o Tietê tem águas
de boa qualidade. Em Araçatuba, ela vai parar nas torneiras. Em Penápolis,
abriga clubes de pesca de pacus e tucunarés.
Nos últimos 30 quilômetros antes de chegar à foz, no Rio
Paraná, as águas do Tietê voltam a ter a mesma excelência dos primeiros 40
quilômetros de seu curso. Com pouca ajuda, o rio mais poluído do Brasil se
recupera e termina tão limpo quanto começou.
Prefeituras investem em recuperação, mas é difícil acabar
com 'mar' de lixo e espuma
"Parece neve, mas o cheiro é de esgoto", diz a
estudante Jenifer Correa da Silva, de 13 anos, diante do mar de espuma que
cobre o Rio Tietê logo abaixo da cachoeira de Salto, a 104 km de São Paulo.
Confiando na despoluição do rio, a prefeitura investiu na
recuperação de antigos espaços turísticos, como a Ilha dos Amores e a
centenária ponte pênsil, totalmente restaurada, e ainda instalou o Memorial do
Rio Tietê para contar a história do principal rio paulista. "Faltou
combinar com quem está rio acima, principalmente na Grande São Paulo, pois as
águas chegam aqui tão carregadas de poluição que viram espuma", diz
Gláucia Vecchi, monitora do memorial.
Ao longo dos 80 quilômetros entre Santana de Parnaíba e
Porto Feliz, o rio continua tão poluído quanto há 20 anos, dizem os moradores.
"A espuma até aumentou e tem dia que não dá para respirar", diz
Monica Coelho, comerciante de Pirapora do Bom Jesus. Segundo ela, quando a
Barragem do Rasgão libera água o manto branco cobre o rio. "Tem turista
que até gosta, mas quem mora aqui não suporta mais."
O prefeito Gregório Rodrigues Maglio (PMDB) conta que, na
década de 1980, quando havia passeios de barco no Tietê, a cidade recebia 10
mil turistas por fim de semana. "Hoje, o turismo está reduzido às romarias
do Bom Jesus, mas não chega a um terço do que era." Maglio lidera um
movimento para que as cidades atingidas pela poluição sejam indenizadas.
"Pirapora deixou de crescer por causa da poluição."
O rio que passa quase morto em Pirapora do Bom Jesus
agita-se nas corredeiras de Cabreúva e cria belos cenários ao cortar
remanescentes de Mata Atlântica. "É o trecho mais bonito, mas não podemos
explorar o turismo por causa da poluição", diz a secretária de Meio
Ambiente, Rosemeire Rabelo Timporim. Na Jornada do Tietê, hoje, a cidade vai
reafirmar a posição contra o projeto de instalação de pequenas centrais
hidrelétricas nesse trecho do rio. O represamento, segundo Rosemeire, acabaria
com as corredeiras, agravando a poluição.
A cidade de 42.301 habitantes trata 90% do esgoto.
"Fizemos a lição de casa, mas estamos sendo castigados pela omissão dos
outros", diz a secretária de Cabreúva.
O rio continua e passa por Salto. Lá, quando ocorrem
enchentes, o campo de futebol da Associação Atlética Avenida fica coberto de
lixo. O presidente do clube, João Wolf, de 74 anos, vê-se obrigado a contratar
carregadeiras e caminhões para retirar toneladas de sujeira. "Ultimamente,
estou mandando jogar de volta no rio, pois quem trouxe, que leve."
Menos sujo
De Salto a Porto Feliz, o rio corta belas paisagens e atrai
muitas aves, mas ainda é possível ver plásticos pendurados nas margens. Depois
de passar por Tietê, o rio que deu nome à cidade recebe as águas do Sorocaba e
chega mais limpo a Laranjal Paulista.
Nesse trecho está prevista a construção de duas barragens
para gerar energia e estender a navegação para além de Conchas. O projeto, em
fase de licenciamento, pode dar novo impulso à economia da região, segundo os
prefeitos.
O Tietê é navegável a partir do Terminal de Conchas. A
hidrovia segue para Anhembi, onde começa o lago da hidrelétrica de Barra
Bonita. A abundância de peixes garante a subsistência de pescadores. Mas o lago
está assoreado. Um projeto visando ao afundamento da calha navegável está em
estudo.
Nova fase de projeto de despoluição atrasa 6 meses à
espera de verba
Prevista inicialmente para terminar em 2015, a terceira etapa
do Projeto Tietê deverá ser concluída apenas no ano seguinte, por causa do
atraso de seis meses na liberação do financiamento. Para manter a meta de
universalizar o tratamento de esgoto no rio até 2020, a quarta e última fase
será antecipada e deve começar já no ano que vem.
"Os recursos do BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento) sofreram atraso e tivemos de encavalar as etapas", diz
Carlos Eduardo Carrela, superintendente de projetos da Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que é responsável pela despoluição do
Rio Tietê.
Outra alteração é o valor total da terceira etapa, que prevê
aumentar a coleta de esgoto em 300% e ampliar a quantidade de estações de
tratamento de duas para cinco. Por causa de mudanças no projeto, o investimento
nessa fase saltou de US$ 1,8 bilhão para US$ 2 bilhões.
Esgoto
O maior avanço em 2013 foi verificado em Barueri, onde há um
ano praticamente não havia tratamento de esgoto. Hoje, segundo a Sabesp, um
terço dos 87% que a cidade coleta já tem algum tratamento.
"Há três meses iniciaram em Barueri as obras para
construir a maior estação de tratamento da América Latina, que vai tratar até
16 mil litros por segundo", diz Carrela. Apenas esta obra, segundo ele,
terá custo de R$ 350 milhões.
A Sabesp já obteve o financiamento inicial de R$ 1,050
bilhão para iniciar, em 2014, a quarta e última fase. O edital, segundo a
empresa, deverá ser lançado até o fim do ano.
Fonte: Estadão