sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Quem vai cuidar do lixo?


Precisamos fechar o ciclo: usar, reciclar e reutilizar. Essa é a única saída para conseguirmos lidar com as enormes montanhas de resíduos produzidas pelo homem todos os dias no planeta. E para começar, não devemos mais utilizar a palavra lixo: o certo é resíduo - há resíduos sólidos e úmidos. O resto é rejeito, o que costumamos chamar de lixo orgânico. Os sólidos devem ser encaminhados para a reciclagem e o orgânico para compostagem ou biodigestão. O caminho parece ser simples, mas ainda está longe de ser alcançado. Em nosso país, 40% do lixo doméstico ainda têm como destino os lixões e os aterros sanitários. "O Brasil tem uma sociedade que joga fora, não recicla", afirmou o economista e sociólogo da USP, Ricardo Abramovay, conselheiro do Planeta Sustentável e autor do livro Muito Além da Economia Verde, primeiro com o selo do Planeta.

Abramovay foi um dos debatedores da Roda de Conversa sobre Resíduos Sólidos, promovida pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)*, este mês, em São Paulo. Além do economista, participaram da conversa Rispah Besen, doutora em saúde pública e especialista no assunto, e Ronei Alves, presidente da Central das Cooperativas do Distrito Federal. O encontro contou ainda com a participação da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que também faz parte do conselho diretor do IDS.

Para Rispah Besen, que integrou estudos e debates da Polícia Estadual de Resíduos Sólidos de São Paulo, houve um salto enorme com a implantação da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), mas ela apresenta dificuldades para ser colocada em prática (leia a reportagem Senado aprovado PNRS: lixo agora é problema de todos). "Alguns prazos não foram realistas. Segundo a lei, os lixões devem acabar no país em 2014. Como fazer isso?", questionou. A especialista defende o reconhecimento e a valorização dos catadores de lixo no Brasil. Segundo ela, a maior parte do material reciclável coletado hoje é realizada por eles.

"Os catadores precisam ser remunerados dignamente pelo serviço prestado", afirmou. Outro problema levantado por Rispah é a destinação do lixo orgânico. Só em São Paulo, 50% dos resíduos coletados são orgânicos e no Brasil apenas 3% deste tipo de lixo é usado em compostagem.

Ronei Alves falou sobre o trabalho dos catadores em Brasília. Na capital federal, eles são responsáveis por selecionar para a reciclagem oito mil toneladas de resíduos das 70 mil produzidas por mês na cidade. "Não recebemos um centavo do poder público para prestar este serviço", afirmou. Isso porque a obrigação da coleta do lixo nas cidades brasileiras, segundo a Constituição, é das prefeituras municipais.

"Se houvesse uma política pública eficiente, seríamos capazes de processar 25 mil toneladas de resíduos recicláveis por mês", garantiu.

Outro ponto importante da nova lei dos resíduos sólidos é sobre a chamada política da Logística Reversa (LR) (Leia as reportagens A dinâmica da logística reversa e Eterno regresso), que obriga alguns setores da indústria a se responsabilizar pela coleta dos bens fabricados e comercializados. Abramovay deu exemplos de setores da economia que já cumprem de maneira bem sucedida a norma, como os fabricantes de pneus e embalagens de agrotóxicos. "As indústrias se organizaram e implantaram um serviço para a coleta destes produtos". O grande problema é que a política brasileira especifica que itens como pilhas e lâmpadas, por exemplo, sejam coletados pelo produtor. "Como fazer isso quando o descarte é feito pelo consumidor em casa", questionou. (Leia o artigo escrito por Abramovay: Propostas para a 4ª. Conferência de Meio Ambiente)

O economista também comentou como grandes empresas globais, como Ikea, Coca-Cola e Walmart, têm desenvolvido políticas fortes para reduzir o consumo da energia e a produção de lixo. Por parte do poder público, Abramovay citou como em todos os países desenvolvidos que conseguiram reduzir a quantidade de resíduos houve aumento da reciclagem e redução de aterros. Mesmo assim, para ele, a situação mundial está cada vez pior. "Não se trata de contar com a boa vontade de ninguém para realizar mudanças, é preciso dar incentivos para que a indústria pare de produzir besteiras". Uma maneira proposta para minimizar o problema é estimular a economia criativa através da produção de bens a partir de matéria-prima reciclada. Falou-se muito também na necessidade de redução dos impostos sobre estes tipos de bens. Atualmente no Brasil paga-se o mesmo imposto sobre produtos industrializados (IPI) sobre os chamados produtos virgens e aqueles fabricados com resíduos reciclados. Um disparate.

Consumo, aliás, foi um ponto bastante debatido na roda de conversa do IDS. "Simplesmente não é sustentável uma sociedade que produz tanto lixo", apontou Rispah Besen. "A destinação final é o menos importante. Precisamos reduzir o consumo". Com uma história de vida de muito esforço, o catador de Brasília Ronei Alves falou sobre uma mudança total de comportamento das pessoas. Para ele, a solução está na sociedade, na mão do povo. "Precisamos repensar nossas vidas, pensar no coletivo e fazer parte de um novo modelo de sociedade", disse. "Temos que nos reinventar, repensar o consumo".


Fonte: Planeta Sustentável 
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