Precisamos fechar o ciclo: usar,
reciclar e reutilizar. Essa é a única saída para conseguirmos lidar com as
enormes montanhas de resíduos produzidas pelo homem todos os dias no planeta. E
para começar, não devemos mais utilizar a palavra lixo: o certo é resíduo - há
resíduos sólidos e úmidos. O resto é rejeito, o que costumamos chamar de lixo
orgânico. Os sólidos devem ser encaminhados para a reciclagem e o orgânico para
compostagem ou biodigestão. O caminho parece ser simples, mas ainda está longe
de ser alcançado. Em nosso país, 40% do lixo doméstico ainda têm como destino
os lixões e os aterros sanitários. "O Brasil tem uma sociedade que joga
fora, não recicla", afirmou o economista e sociólogo da USP, Ricardo
Abramovay, conselheiro do Planeta Sustentável e autor do livro Muito Além da
Economia Verde, primeiro com o selo do Planeta.
Abramovay foi um dos debatedores
da Roda de Conversa sobre Resíduos Sólidos, promovida pelo Instituto Democracia
e Sustentabilidade (IDS)*, este mês, em São Paulo. Além do economista,
participaram da conversa Rispah Besen, doutora em saúde pública e especialista
no assunto, e Ronei Alves, presidente da Central das Cooperativas do Distrito
Federal. O encontro contou ainda com a participação da ex-ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, que também faz parte do conselho diretor do IDS.
Para Rispah Besen, que integrou
estudos e debates da Polícia Estadual de Resíduos Sólidos de São Paulo, houve
um salto enorme com a implantação da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS), mas ela apresenta dificuldades para ser colocada em prática (leia a
reportagem Senado aprovado PNRS: lixo agora é problema de todos). "Alguns
prazos não foram realistas. Segundo a lei, os lixões devem acabar no país em
2014. Como fazer isso?", questionou. A especialista defende o
reconhecimento e a valorização dos catadores de lixo no Brasil. Segundo ela, a
maior parte do material reciclável coletado hoje é realizada por eles.
"Os
catadores precisam ser remunerados dignamente pelo serviço prestado",
afirmou. Outro problema levantado por Rispah é a destinação do lixo orgânico.
Só em São Paulo, 50% dos resíduos coletados são orgânicos e no Brasil apenas 3%
deste tipo de lixo é usado em compostagem.
Ronei Alves falou sobre o
trabalho dos catadores em Brasília. Na capital federal, eles são responsáveis
por selecionar para a reciclagem oito mil toneladas de resíduos das 70 mil
produzidas por mês na cidade. "Não recebemos um centavo do poder público
para prestar este serviço", afirmou. Isso porque a obrigação da coleta do
lixo nas cidades brasileiras, segundo a Constituição, é das prefeituras
municipais.
"Se houvesse uma política
pública eficiente, seríamos capazes de processar 25 mil toneladas de resíduos recicláveis
por mês", garantiu.
Outro ponto importante da nova
lei dos resíduos sólidos é sobre a chamada política da Logística Reversa (LR)
(Leia as reportagens A dinâmica da logística reversa e Eterno regresso), que
obriga alguns setores da indústria a se responsabilizar pela coleta dos bens
fabricados e comercializados. Abramovay deu exemplos de setores da economia que
já cumprem de maneira bem sucedida a norma, como os fabricantes de pneus e
embalagens de agrotóxicos. "As indústrias se organizaram e implantaram um
serviço para a coleta destes produtos". O grande problema é que a política
brasileira especifica que itens como pilhas e lâmpadas, por exemplo, sejam
coletados pelo produtor. "Como fazer isso quando o descarte é feito pelo
consumidor em casa", questionou. (Leia o artigo escrito por Abramovay:
Propostas para a 4ª. Conferência de Meio Ambiente)
O economista também comentou como
grandes empresas globais, como Ikea, Coca-Cola e Walmart, têm desenvolvido
políticas fortes para reduzir o consumo da energia e a produção de lixo. Por
parte do poder público, Abramovay citou como em todos os países desenvolvidos
que conseguiram reduzir a quantidade de resíduos houve aumento da reciclagem e
redução de aterros. Mesmo assim, para ele, a situação mundial está cada vez
pior. "Não se trata de contar com a boa vontade de ninguém para realizar
mudanças, é preciso dar incentivos para que a indústria pare de produzir
besteiras". Uma maneira proposta para minimizar o problema é estimular a
economia criativa através da produção de bens a partir de matéria-prima
reciclada. Falou-se muito também na necessidade de redução dos impostos sobre
estes tipos de bens. Atualmente no Brasil paga-se o mesmo imposto sobre
produtos industrializados (IPI) sobre os chamados produtos virgens e aqueles
fabricados com resíduos reciclados. Um disparate.
Consumo, aliás, foi um ponto
bastante debatido na roda de conversa do IDS. "Simplesmente não é
sustentável uma sociedade que produz tanto lixo", apontou Rispah Besen.
"A destinação final é o menos importante. Precisamos reduzir o
consumo". Com uma história de vida de muito esforço, o catador de Brasília
Ronei Alves falou sobre uma mudança total de comportamento das pessoas. Para
ele, a solução está na sociedade, na mão do povo. "Precisamos repensar
nossas vidas, pensar no coletivo e fazer parte de um novo modelo de
sociedade", disse. "Temos que nos reinventar, repensar o
consumo".
Fonte: Planeta Sustentável