Uma pequena lancha corta o Rio
Negro rumo a uma Unidade de Conservação Estadual (UCs) na cidade de Iranduba, a
cerca de 80 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. À frente, um horizonte
quase infinito margeado por imensas árvores da Floresta Amazônica. O sol
intenso reflete nas águas turvas transformando-as em um espelho azul turquesa.
“É água que não tem mais fim”, brinca Roberto Brito de Mendonça, o piloto do
barco.
Com olhar fixo às curvas e
atalhos do rio, o amazonense de 38 anos percorre a região com a destreza de
quem vive na reserva há 16 anos. Segue rumo à comunidade ribeirinha de Tumbira,
no meio da floresta. Ali vivem 58 pessoas que retiram da mata sua renda
mantendo-a em pé. “Há quatro anos, parei de desmatar. A gente só derrubava as
árvores porque não sabia como sobreviver de outra forma.”
A realidade de Mendonça e de
Tumbira mudou com a adoção de práticas sustentáveis e do extrativismo como
fonte de renda. Hoje, o líder comunitário vive de uma pousada que recebe
turistas do Brasil e do exterior. Além da vista, os hóspedes podem se divertir
com a televisão e a internet - os sinais são recebidos via satélite. É desta
forma também que os alunos da escola local têm suas aulas. Um sistema todo
alimentado por placas que captam a energia solar.
Esse olhar sustentável é,
entretanto, escasso na Amazônia. Assim como o extrativismo para manter a
floresta em pé, o apoio a essas iniciativas é quase inexistente. Críticos ainda
ressaltam a falta de apoio técnico e tecnológico nos três níveis de governo
para ajudar as famílias. “Faltam políticas públicas para dar condições normais
à cadeia produtiva do extrativismo, como ocorre com a soja, o algodão, o milho.
Não existe preocupação com ações para os pequenos, que são pouco organizados,
mas há políticas de sobra para uma Amazônia de grandes fazendeiros de gado com
uma produtividade baixíssima”, questiona o agrônomo Paulo Kageyama, colaborador
do Ministério do Meio Ambiente e professor da Universidade de São Paulo.
Não são poucas as pessoas que
tiram seu sustento da mata. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam), ONG que atua há 17 anos pelo desenvolvimento sustentável da
região, cinco milhões de brasileiros vivem “na ou da floresta”. A extração de
“produtos não-madeireiros” (óleos, resinas, ervas, frutos e borracha) contribui
economicamente para a renda de 400 mil famílias.
Tumbira, neste contexto, parece
uma exceção em um estado no qual a Secretaria do Meio Ambiente foi criada há
apenas dez anos. "No Amazonas, existiam órgãos com o foco em comando e
controle. Não havia uma secretaria para pensar uma política de desenvolvimento
econômico”, diz Nádia Ferreira, secretária de Meio Ambiente. “Precisávamos ter
um modelo de desenvolvimento econômico, conciliando atividades produtivas que
não precisem desmatar, como o turismo e o extrativismo.”
O desmatamento ainda é um dos
maiores problemas da Amazônia, apesar dos esforços do governo para diminuir a
devastação. Entre agosto de 2011 e julho de 2012, o desmatamento na Amazônia
Legal caiu 27%, o menor número em 24 anos. Ainda assim, segundo o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a área desmatada no período foi de
4.656 quilômetros quadrados, quase quatro vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro.
A queda foi, porém, seguida de um
resultado negativo: um aumento de 26% no desmatamento entre agosto de 2012 e
fevereiro de 2013, na comparação com mesmo período anterior. O total destruído
foi de 1.695 quilômetros quadrados, maior que a cidade de São Paulo. Além
disso, Mato Grosso, Pará e Rondônia figuram constantemente na lista dos mais
devastados. Todos pressionados pela extração ilegal de madeira, pecuária ou
avanço da agricultura.
O extrativismo seria, então,
capaz de conter o agravamento deste cenário? Fazer frente à indústria da
devastação demandaria a qualificação das comunidades locais para extrair o
melhor do extrativismo. Os moradores precisariam identificar quais produtos da
floresta possuem mais mercado e como maximizar o uso das espécies nativas como
a castanha, que pode gerar desde óleos a materiais de artesanato. Neste
cenário, a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) age como intermediário para
aumentar as chances de sucesso dos projetos extrativistas de 15 unidades de
conservação no Amazonas, qualificando líderes comunitários em encontros anuais
em Manaus, o último deles ocorrido no início de junho.
A entidade mantém o programa
Bolsa Floresta, que beneficia mais de 37 mil pessoas em 541 comunidades no
Amazonas, muitas delas entre as mais isoladas do mundo. O projeto destina 50
reais mensais às famílias que se comprometerem a não desmatar, além de fornecer
recursos técnicos e financeiros para serem usados em aspectos sociais da
comunidade, como a instalação de poços de água. Há ainda investimentos em
geração de renda, como a compra de máquinas para a agricultura florestal ou
confecção de itens de artesanato, além do apoio ao fortalecimento das
associações comunitárias.
A FAS investe por ano cerca de
750 mil reais em cada reserva. As comunidades dentro das UCs decidem como
investir o dinheiro de forma conjunta. Os líderes, neste aspecto, são
qualificados pela ONG para saberem como levar os negócios adiante. “O objetivo
é que eles aprendam e que não sejamos um intermediário para sempre”, diz
Valcicleia Solidade, coordenadora do Bolsa Floresta.
O programa é mantido por um fundo
do governo do Amazonas, Bradesco e Coca-Cola, além de outros projetos
financiados pelo banco e a fabricante de bebidas. O Fundo Amazônia, gerido pelo
governo federal e que aceita recursos de outros países, também participa. Outro
parceiro é o BNDES, que aportará 20 milhões de reais em projetos que gerem
renda nas comunidades atendidas e fortaleçam a atividade das associações.
O papel das associações,
acreditam os especialistas, é crucial para que os moradores se juntem em torno
de objetivos comuns e criem estratégias de comércio de sua produção. Com essa
organização, os líderes também conseguem repassar os conhecimentos obtidos nos
treinamentos. “Capacitamos e criamos um mecanismo de gestão dentro da comunidade,
treinando outras pessoas para ajudar na organização”, conta Mario Nazaré de
Medeiros, de 44 anos, da reserva de Maués, a 31 horas de barco de Manaus. A
comunidade produz guaraná, castanha e artesanato.
Esse apoio técnico, contudo, não
existe em diversas outras comunidades na Amazônia. “A economia florestal
sustentável é muito carente de investimentos em tecnologia, capacitação e
infraestrutura. Como seremos capazes de enfrentar o desmatamento se a economia
do desmatamento dispõe desses mesmos elementos em quantidades infinitamente
superiores?”, questiona João Tezza, superintendente técnico-científico da FAS.
“O orçamento para o desenvolvimento sustentável é pequeno na comparação com o
agronegócio. Estruturas como Embrapa têm uma série de incentivos, não nos
tornamos uma referência no agronegócio por geração espontânea, mas por vontade
política.”
O mesmo poderia acontecer com os
produtos do extrativismo, caso haja políticas públicas de investimento. Os
produtos da floresta têm mercado e valor comercial, segundo o estudo
Contribuição das Unidades de Conservação para a Economia Nacional, do Pnuma,
órgão da ONU para o Meio Ambiente, e do governo federal, divulgado em 2011.
Apenas a produção de madeira em tora vinda de áreas manejadas das Florestas
Nacionais e Estaduais da Amazônia pode gerar até 2,2 bilhões de reais por ano,
mais que toda a madeira nativa atualmente extraída no País.
Segundo o Pnud, a produção de
borracha de 11 reservas extrativistas gera 16,5 milhões de reais anuais, com o
esforço de 4,4 mil famílias produtoras. Mas, se todo o potencial destas áreas
fosse aproveitado, 413,9 milhões seriam gerados em 25 anos, contra a previsão atual
de 196,8 milhões.
Outro item valioso da floresta é
a castanha-do-pará. O produto pode gerar 39,2 milhões de reais anualmente,
considerando apenas as 17 Reservas Extrativistas analisadas no estudo. Esses
números podem ser ampliados significativamente, diz o Pnud, caso as unidades de
conservação produtoras recebam investimentos para desenvolver sua capacidade
produtiva. No ritmo atual, os produtores vão gerar 980 milhões de reais em 25
anos, sem considerar uma eventual valorização do preço da semente.
O turismo também pode ser uma
fonte de renda relevante. A visitação nos 67 Parques Nacionais geraria entre
1,6 bilhão de reais e 1,8 bilhão por ano, levando em conta as estimativas de
turistas que devem passar pelo Brasil até 2016, ano das Olimpíadas. De acordo
com o órgão da ONU, se o potencial for explorado de forma eficaz, cerca de 20
milhões de pessoas visitarão as unidades de conservação federais e estaduais
até 2016, gerando cerca de 2,2 bilhões de reais naquele ano. Esse dinheiro deve
ser movimentado sem que uma única árvore precise ser derrubada.
Esse tipo de pensamento de
conservação requer investimentos em longo prazo, o que escapa da prioridade
imediatista de governos e afasta a “economia verde” da Amazônia. Isso dificulta
que tecnologias simples cheguem a comunidades da floresta, como um trator
pequeno para carregar castanhas e aumentar a produção. Há ainda outra barreira:
o apoio financeiro.
“A linha de crédito da
agricultura familiar tem um valor baixo, além de ser difícil acessar os
créditos pela burocracia de documentos”, diz Helevenilson Silva Pinto, de 37
anos, líder em Maués. “Quem acaba pegando esses financiamentos são empresários.
Precisamos de facilidades para investir na agricultura primária e melhorar a
situação das famílias nas unidades de conservação”, completa Antonio de Souza
da Silva, 45 anos, morador da mesma área.
O Amazonas, que tem 98% de áreas
de mata preservadas, ao contrário do Pará e Mato Grosso, aposta na recuperação
de regiões desmatadas com atividades que possam gerar renda às comunidades. Há
um mapeamento da Secretaria de Meio Ambiente que apresenta o nível de
desmatamento das cidades e as áreas que poderiam abrigar investimentos. “Não
basta plantar, tem de ter espécies de valor econômico, como guaraná, castanha e
cupuaçu. Espécies que darão retorno de médio e longo prazo”, diz Nádia
Ferreira.
Espécies como estas possuem
mercado tanto pelo aspecto sustentável quanto por seu valor nutricional. Antes
de chegar aos mercados, porém, os produtores precisam melhorar a qualidade e
aumentar a produção. É preciso investir também na logística, que na região da
Amazônia é complexa e diminui a competitividade dos itens, já que muitas
comunidades estão a dias de barco de distância da cidade mais próxima.
“Temos a necessidade de
investimentos em assistência técnica e mecanização dessas áreas porque não é no
terçado que vai recuperar o solo. Tem que checar insumos para preparar esse
solo e escolher espécies que o produtor tem experiência em trabalhar. E também
trabalhar no escoamento dessa produção, conseguir o melhor mercado e o melhor
preço”, afirma a secretária. “Não adianta só a assistência técnica com o
conhecimento científico, e não ter como escoar. Esse é o desafio.”
Outra forma de manter a floresta
em pé e ajudar a financiar as atividades extrativistas das comunidades locais é
a venda de créditos de carbono acumulados com a preservação da mata. Um projeto
no qual a reserva do Juma, que fica a três dias de barco de Manaus, tem
investido.
No local, produtor de castanha,
peixes e produtos agrícolas, funciona um projeto de captação de créditos de
carbono, que é a esperança de renda da reserva. Com o dinheiro da possível
venda dos créditos, os ribeirinhos planejam comprar máquinas agrícolas e
aumentar a produção nas áreas já desmatadas. “Ainda não conseguimos vender
porque não há uma lei que regule o tema no Brasil”, explica Doracy Correa, 42 anos,
um dos líderes da reserva.
O mercado de créditos de carbono
é criticado por não ajudar a diminuir as emissões de gases estufa no planeta.
Apenas permite que empresas e governos altamente poluidores compensem seus
excessos comprando o “esforço” de regiões preservadoras de áreas verdes. De
toda forma, o mercado parece em baixa. “O carbono esteve em alta, hoje está
menos valorizado”, lamenta Ferreira.
Fonte: Carta Capital