Washington Novaes
Como já prevíramos neste espaço
(18/11), a 18.ª reunião dos 194 países-membros da Convenção do Clima em Doha,
no Catar (22/11 a 7/12), não conseguiu nenhum avanço importante - a não ser a
prenunciada prorrogação, até 2020, do Protocolo de Kyoto, de 1997, que venceria
no próximo dia 31 e propunha a redução de 5,2% das emissões poluentes dos
países industrializados (calculadas sobre as de 1990, que já aumentaram 50%) em
troca de financiamentos para projetos redutores em outros países. A prorrogação
era fundamental para o sistema financeiro, pelo qual foram negociados em uma
década 5 mil projetos dessa natureza em 81 países - entre eles o Brasil, que
apoiou "com entusiasmo" a continuação -, porque o mercado decorrente
dessas iniciativas movimenta muitas dezenas de bilhões de dólares (mas, na
última semana antes da reunião, o valor da tonelada de carbono negociada nesse
mercado, que em outros tempos já valera até US$ 80, caíra para menos de US$ 1).
Ainda assim, ela foi aprovada na
penúltima hora, com a direção da convenção passando por cima dos protestos da
Rússia e de outros países da antiga área soviética, que queriam continuar
comercializando o hot air, isto é, a redução de emissões que tiveram com o
processo de desindustrialização em várias nações após a redivisão territorial e
política. A mesa dos trabalhos decidiu fazer-se de surda aos protestos e às
opiniões contrárias também dos Estados Unidos (que nunca homologaram o
protocolo de 1997), do Canadá, do Japão, da Nova Zelândia e da China. Na
verdade, a prorrogação agora só abrange 15% das emissões em países da
comunidade europeia, na Austrália, na Suíça e em mais oito nações.
Hoje 60% das emissões já estão
nos países "emergentes" e outros não industrializados. A China é a
maior emissora (6,6 toneladas anuais por pessoa), à frente, dos Estados Unidos
(17,2 toneladas per capita) e seguida pela Índia. A União Europeia emite 7,3
toneladas por pessoa. O Brasil, segundo o ex-economista-chefe do Banco Mundial
lorde Nicholas Stern, mais de 10 toneladas anuais por pessoa, incluídas as
emissões por desmatamento. De 1990 para cá os Estados Unidos aumentaram suas
emissões em 10,8%, a União Europeia diminuiu as suas em 18%.
O próprio secretário-geral da
ONU, Ban Ki-moon, alertou na convenção que "o mundo precisa acelerar suas
ações", diante do quadro atual de secas na Ucrânia, na Índia, no Brasil,
da supertempestade Sandy nos Estados Unidos, de inundações na China, em
Moçambique, na Colômbia, na Austrália, do derretimento dos gelos polares em
níveis inéditos, da degradação do solo, que afeta 1,5 bilhão de pessoas. Mas
nada disso comoveu os países industrializados, que, envolvidos na crise
econômico-financeira, não quiseram avançar no compromisso de doar, para um
fundo de US$ 100 bilhões anuais, recursos para que os países mais pobres
enfrentem o problema e mitiguem as mudanças. Nem para transferir gratuitamente
tecnologias. O representante das Filipinas chegou a chorar no plenário, ante
esse quadro, e foi aplaudido pelos delegados de dezenas de países-ilhas, que já
estão sendo atingidos pela elevação do nível dos oceanos.
A ministra brasileira do Meio
Ambiente, embora lamentando o impasse nas negociações mais amplas, considerou o
avanço em relação a Kyoto "um resultado histórico". Disse que o
Brasil "está orgulhoso" com a redução do desmatamento na Amazônia. E
será favorável ao compromisso geral previsto para 2015.
Nas palavras, praticamente todos
os países continuaram dizendo que se espera chegar a 2015 com esse compromisso
obrigatório de redução de emissões para todas as nações - mas que só entre em
vigor a partir de 2020. Um tanto enigmático, o representante norte-americano
garantiu que o governo Barack Obama, até 2020, reduzirá as emissões nacionais
em 17%, calculadas sobre as de 2005. Mas não aceitou compromisso de contribuir
para um fundo imediato de US$ 60 bilhões que, até 2015, minoraria a situação
nos países mais pobres.
Enquanto o plenário era abalado
pelas notícias a respeito do recente tufão sobre as Filipinas, com mais de mil
mortos e desaparecidos, uma pesquisa do Global Carbon Project dizia que, até o
fim deste mês, as emissões globais no ano atingirão 35,6 bilhões de toneladas
de carbono, 2,6% mais que em 2011 e 54% mais que em 1990. A continuarem nesse
ritmo, a temperatura poderá subir 5 graus Celsius até o fim do século. Segundo
lorde Nicholas Stern, para conter o aumento da temperatura do planeta em 2
graus até 2050 será preciso reduzir as emissões em 15 bilhões anuais de
toneladas sobre o que seriam em 2030; se isso não acontecer, os países não
industrializados emitirão de 37 bilhões a 38 bilhões de toneladas nesse ano (ou
dois terços do total; emitiam um terço em 1990) e os industrializados, de 11
bilhões a 14 bilhões de toneladas. Já o Banco Mundial prevê uma tendência de a
temperatura aumentar 3 graus até 2050.
Um dos nós do problema continua
nos subsídios governamentais ao uso de combustíveis fósseis na geração de
energia: US$ 523 bilhões em 2011, segundo a Climate Action Tracker, ou 30% mais
que em 2010; enquanto isso, as energias renováveis e não poluentes tiveram US$
88 bilhões de subsídios oficiais.
E, entre nós, os discursos
continuam muito mais otimistas que as práticas: o governo federal utilizou este
ano apenas 48% (R$ 2,1 bilhões, dos quais R$ 1,1 bilhão pago) das verbas
previstas para evitar desastres climáticos (Estado, 3/12), embora o seu Centro
Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres já tenha emitido alertas de
emergência em 407 municípios, por causa de seca ou chuvas. E apesar das
previsões de "chuvas fortes" nos três meses a partir de dezembro.
Apesar dos fatos, das
estatísticas, das pesquisas, continuamos a nos comportar como se tivéssemos
prazos infinitos. Só que, como diz James Hansen, cientista da Nasa, "o
futuro é agora; e ele é quente".
Fonte: Estadão