Na última semana, São Paulo recebeu a ExpoCatadores 2012,
que reuniu catadores, pesquisadores, políticos e profissionais do Direito em
uma programação de palestras e debates sobre assuntos como proteção social,
direitos humanos, Política Nacional dos Resíduos Sólidos, papel do Ministério
Público, privatização, fechamento de lixões, incineração e educação ambiental.
A terceira edição do evento, organizado pelo Movimento
Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e pela Associação
Nacional dos Carroceiros e Catadores de Materiais Recicláveis (ANCAT), recebeu
mais de sete mil pessoas durante três dias. Estiveram presentes delegações de
12 países, entre eles Bolívia, Equador, Índia, África do Sul, Colômbia e
Venezuela.
Ronei Alves da Silva, uma das lideranças do MNCR no DF,
explicou que a ExpoCatadores é fundamental para difundir informações e
centralizar os catadores. “Funciona como um processo de formação, para que a
gente se aproprie das informações e do conhecimento e volte com ferramentas
para vencer as lutas. Só o conhecimento liberta”.
Rivaldo Fernandes Pimenta, de Caraúbas, no RN, avaliou que
cada participante vai levar bons subsídio para suas bases. “É importante a
troca de experiências entre as regiões porque a linguagem de catador é única”.
Educação Ambiental
Nina Orlow, arquiteta e urbanista que integra a Rede Nossa
São Paulo e Rede das Agendas 21 de SP, participou do debate sobre educação
ambiental e geração de resíduos e defendeu que a primeira coisa é repensar
valores de consumo e promover a não geração de resíduos. “Será que estamos ouvindo
falar sobre isso? Não basta fazer a coleta, a compostagem. O primeiro item é a
não geração”.
O cenário ideal é aquele em que todos assumem parte da
responsabilidade pela geração de resíduos. O processo completo, no entanto, não
faz parte do cotidiano da maior parte das pessoas. “Há uma lacuna entre a nossa
sociedade e as informações. Às vezes, há também desinteresse”, ressaltou.
Luciana Lopes, coordenadora do Programa de Resíduos Sólidos
do IPESA (Instituto de Projetos e Pesquisas Socioambientais), falou sobre a
importância de pensarmos o lixo de forma transversal. “A gente tem sistemas que
não se conversam. A questão do lixo passa pela saúde, pelo meio ambiente e pela
educação”.
Fechamento dos lixões
Um dos destaques da programação foi o debate sobre fechamento
dos lixões, previsto na Política Nacional dos Resíduos Sólidos para 2014.
Hoje, cerca de 50% dos municípios brasileiros tem lixões.
“Este é o nosso desafio, eliminar quase 2.600 lixões, onde temos crianças,
idosos… mas o desafio maior é incluir os catadores em planos de reciclagem”,
explicou Silvano Silvério da Costa, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente
Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
Tião Santos, ex-catador de Gramacho, no RJ, e destaque do
filme Lixo Extraordinário, de Vik Muniz, também defendeu a necessidade de
planos de transição para os trabalhadores no processo entre sair do lixão e ir
para a coleta seletiva. “Reciclagem no Brasil só se dá pela pobreza, é preciso
quebrar esse paradigma. Reciclagem é coisa de gente inteligente”.
Várias são as ações que devem ser pensadas e priorizadas
neste processo, como melhorar redes de cooperativas, criar conselhos de
catadores para tratar sobre os resíduos sólidos urbanos e criar incentivos
fiscais para as cooperativas se desenvolverem. “Um plano só acontece se houver
pré-planejamento”, afirmou Tião.
Também é importante entender que a questão não é isolada. O
desgaste social e ambiental que tornam o debate inadiável está dentro de um
contexto global. “Em uma sociedade que só enxerga quem tem dinheiro, os que
estão discutindo isso mais a fundo são aqueles que produziram e fizeram isso
acontecer”, disse Alex Cardoso, uma das lideranças do MNCR do RS.
Não à toa, a iniciativa privada tem enxergado limpeza urbana
cada vez mais como um negócio. A privatização, no entanto, tira do catador o
papel de protagonista no processo. “A maior parte das cidades está optando por
coleta seletiva privatizada. Na França, eu ouvi de um governante: não façam
isso. Privatizar é entregar o controle de toda a sociedade. Inclusive o poder
público vira marionete”, contou Cardoso.
Ministério Público
O assunto também foi discutido por representantes do MP do
Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Margaret Matos de Carvalho, do Ministério Público do
Trabalho do Paraná, discorreu sobre a estreita relação entre as Parcerias
Público-Privadas (PPP) e a incineração. “Incineração é incompatível com a PNRS,
é um corpo estranho. Aonde houver PPP é porque no final vai ter incineração. É
sinal de perigo”. Essas parcerias, segundo ela, só devem existir se os
catadores estiverem na gestão dos resíduos.
Saint Claire Honorato Santos, do Centro de Apoio Operacional
às Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente do MP do Paraná, também foi claro:
“A conta da incineração nunca é apresentada. E somos todos nós que pagamos”,
disse. A fórmula é simples e conhecida pelo Movimento: “Deus recicla, o diabo
incinera”.
Em outra palestra, sobre as PPPs, Ronei usou o exemplo de
Brasília. Na capital federal, a coleta seletiva foi implantada em 1994. “O
governo tirou catadores do lixão e colocou em áreas de limpeza urbana”, contou
o representante do Movimento que hoje, aos 38 anos, é estudante de Direito.
O custo da limpeza, na época, era de 80 milhões de reais por
ano. “Joaquim Roriz terceirizou a limpeza pública em Brasília. De lá pra cá o
custo aumentou em 500%”, analisou.
Além disso, o serviço piorou. “Você chega na rodoviária de
Brasília e dá nojo. A cidade tem hoje um dos maiores lixões do Brasil, com 2.500
catadores. Tudo por causa da relação que as empresas mantêm com o poder
público”.
O MNCR encabeça uma luta importante contra a PPP proposta
pelo governo do DF para gestão dos resíduos sólidos. “Começamos a ver muitas
discrepâncias na PPP que estão querendo criar em Brasília. Eles não tinham como
justificar”.
Na apresentação, Ronei mostrou o cartaz com a frase
emblemática: “PPP: O governo entra com o dinheiro, a empresa entra com o
bolso”. E completou: “Mas na verdade não é dinheiro, não. É o NOSSO dinheiro”.
Lançamento de livro*
Foi lançado no evento o livro Política Nacional, Gestão e Gerenciamento
de Resíduos Sólidos, voltado a gestores públicos, iniciativa empresarial e
cooperativas de catadores.
A obra, organizada pelos editores Arnaldo Jardim, Consuelo
Yoshida e José Valverde Machado Filho, está dividida em quatro partes: 1.
Aspectos jurídicos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, 2. PNRS e gestão
integrada, 3. PNRS e integração com outras políticas públicas e 4. PNRS e as
iniciativas setoriais e institucionais.
No prefácio, a Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira
ressalta a necessidade de estudos sobre o assunto e a importância de se
fortalecer cada vez mais as discussões sobre resíduos sólidos no Brasil: “A
Política Nacional dos Resíduos Sólidos inaugura um novo patamar na gestão
pública e na qualidade do nosso desenvolvimento. (…) Sem correr risco e
exagerar, não se pode falar de sustentabilidade urbana sem uma política
consistente de gestão de resíduos”.
Fonte: Super Interessante
* O livro Política Nacional, Gestão e Gerenciamento de Resíduos Sólidos esta disponível em nossa livraria virtual! http://abes-sp.org.br/livraria-virtual
A ABES-SP também esteva presente na Expo-Catadores no dia 29 de Novembro. Confira em nosso boletim: http://abes-sp.blogspot.com.br/2012/12/boletim-abes-sp-novembro.html