A saúde dos moradores também agradece, especialmente a das
crianças
Foto: ONU/Divulgação
Para os índios guarani-kaiowá, o fogo tem um significado
espiritual: é sinônimo de purificação. Em geral, ele é controlado pelas
mulheres, que abraçam a responsabilidade de unir e alimentar a família. É ao
redor deste fogo, agora sustentável e saudável, que dona Delma e outras
mulheres indígenas de Panambizinho, a 250 km da capital Campo Grande, no Mato
Grosso do Sul, alimentam não apenas as necessidades físicas de suas famílias,
mas também uma tradição milenar.
Ainda não havia amanhecido na aldeia e Delma Gonçalves, 41,
já caminhava há duas horas até o local em que os indígenas costumam recolher
lenha. O caminho de volta, no entanto, era o mais penoso: sob o sol forte,
tinha de carregar nas costas um feixe de 20 quilos de madeira.
Durante anos, três vezes por semana, essa foi sua rotina
matinal. “Tinha muitas dores na coluna. Eu chegava tão cansada que mal dava
conta de cozinhar”, conta Delma. O fogo para fazer o almoço era feito no chão,
de modo precário, com algumas latas para tapar o vento e uma resistência de
geladeira improvisada como grelha.
Além de aumentar as dores na coluna, o fogo improvisado
produzia muita fumaça, prejudicando a saúde dos moradores, principalmente das
crianças, que sofriam com doenças respiratórias e tinham agravados casos de
pneumonia, bronquite, sinusite e asma. Há alguns meses, a construção de fogões
à lenha ecológicos de alta eficiência energética tem ajudado a mudar a
realidade da família de Delma e de outras dezenas de famílias indígenas na
aldeia de Panambizinho.
Desenvolvida por ONGs parceiras em um outro projeto do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) sobre eficiência e
sustentabilidade energética na Caatinga, a tecnologia social para a construção
do fogão ecológico está sendo adaptada à realidade indígena do Cerrado
sul-mato-grossense.
Segurança alimentar e
nutricional
Ao contrário dos fogões à lenha tradicionais, que levam
cimento e ferro na construção, o fogão ecológico utiliza apenas materiais de
baixo custo e que podem ser encontrados na própria região como areia, argila,
barro e tijolos de barro.
Esta iniciativa do Pnud faz parte de um programa conjunto
com outras agências da ONU cujo objetivo é promover a segurança alimentar e
nutricional de mulheres e crianças indígenas no Brasil. Ao todo, o projeto
beneficia, direta e indiretamente, cerca de 53 mil indígenas no país.
A tecnologia é considerada modelo de sustentabilidade e a
intenção é que ela seja usada em outros projetos semelhantes ao redor do mundo.
“O intercâmbio de boas práticas é um dos principais objetivos do Programa”,
destaca Carlos Castro, coordenador da unidade de meio ambiente e
desenvolvimento sustentável do Pnud Brasil.
Os materiais, aliados ao desenho mais estreito da cavidade
para a lenha, funcionam como isolantes térmicos naturais, ajudando a reter o
calor por mais tempo. A placa de argila que fica em contato com o fogo evita o
desperdício de energia, conduzindo calor de forma contínua e prolongada. Como
as placas se mantêm quentes por até 5 horas, mesmo depois de extinto o fogo, é
possível cozinhar alimentos mais duros sem uma supervisão constante. “Antes não
comia feijão. Agora como”, lembra Delma.
Saúde agradece
A saúde dos moradores também agradece, especialmente a das
crianças. Além de mais nutridas, elas apresentam menos doenças respiratórias
com a eliminação da fumaça nociva dentro de casa. Com o fogão ecológico, estes
gases agora são levados pelo vento através das chaminés. Para o meio ambiente,
os impactos são igualmente positivos. “O uso de lenha traz outras duas
vantagens: independência dos fornecedores de gás e a não produção de gás de
efeito estufa”, enumera Castro.
A alta eficiência energética do fogão torna possível o uso
de gravetos finos, folhas secas, sabugos de milho e cascas de árvore como
combustível, que podem ser encontrados nos quintais das casas, onde estas
famílias fazem os plantios agroflorestais. Um dos objetivos é que elas deixem
de usar somente lenha grossa. A lenha mais fina possibilita o manejo ao redor
da casa, diminuindo o impacto ambiental.
As longas jornadas de dona Delma para buscar lenha agora se
limitam a visitas ao quintal, recolhendo pequenos galhos que caem das árvores.
Essa redução do tempo de jornada também propicia um maior cuidado com o
quintal, com os animais criados e com as plantas cultivadas nele.
“Uso o tempo pra cuidar das crianças e da casa. Posso tirar
o mato, lavar roupa, varrer o terreiro. Também consigo cuidar da plantação”,
comemora a kaiowá, enquanto toma seu tereré. A população indígena no Brasil
soma cerca de 800 mil pessoas. Os guarani-kaiowá são a segunda maior etnia do
país.
Conheça a história do fogão ecológico contada pelos próprios
indígenas:
Fonte: EcoDesenvolvimento