(este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado
de S. Paulo, edição de 21/02/2014).
O noticiário da primeira quinzena de fevereiro foi dominado
pelas notícias de apagões e suas ameaças, racionamentos e desabastecimentos de água, crises da matriz
energética etc. O racionamento já estava em quase 150 cidades, onde vivem mais
de 6 milhões de pessoas. O uso médio de água ficava de 15 a 20% acima da média
habitual de 150 litros diários por pessoa. O nível dos reservatórios do Sudeste
e Centro-Oeste, abaixo da média do ano do racionamento, 2001. A questão da
matriz energética já foi tratada em artigos anteriores - não é caso de retornar. Melhor tentar ver com que
caminhos poderão ser enfrentadas de
imediato as ameaças na área do fornecimento de água para a população.
É preciso
começar pela questão das perdas de água por vazamentos e furos nas nossas redes
públicas, que estão próximas de 40% do
total do que passa pelos condutos (ESTADO, 20/3/13) – o que é uma calamidade
difícil de compreender, quanto mais de aceitar, no momento em que 7% da
população nacional (mais de 15 milhões de pessoas) sequer recebem água tratada
em suas casas. E 44% (mais de 80 milhões) não têm suas residências ligadas a
redes de esgotos – o que é uma das causas principais da degradação de ambientes
urbanos e das águas onde caem esses esgotos, junto com os que, coletados, não
são tratados e têm o mesmo destino. Para universalizar as redes de esgotos em
todo o país e de água, dizem os diagnósticos,
precisaremos de mais de R$300 bilhões em 20 anos. Mas estamos aplicando
uma ninharia, diante da necessidade. Mesmo sendo possível caminhar com
tecnologias muito mais baratas, como a do sistema de coleta de esgotos por
ramais condominiais, mais de uma vez comentada neste espaço (hoje, atende a 15
milhões de pessoas e levou Brasília a ser uma cidade com praticamente todos os
seus esgotos coletados).
Mas é difícil até imaginar que quase 40% da água levada a
mais de 180 milhões de brasileiros (uso médio de 150 litros diários por pessoa
– repita-se) se perde nas redes, antes de chegar a seu destino (o Japão perde
menos 5%). E as causas são vazamentos e furos em redes antigas e/ou sem
manutenção. Custaria algumas vezes menos reparar essas redes, mas em geral as
administrações optam por obras novas (reservatórios, adutoras, estações de
tratamento), mais visíveis, mais rentáveis eleitoralmente e preferidas pelas
grandes empreiteiras, maiores financiadoras das campanhas. A cidade de São
Paulo, que, segundo a Sabesp reduziu suas perdas para 25,6% da água
distribuída, baixou seu prejuízo em R$275,8 milhões por ano (há números menos
favoráveis, publicados na edição de18/2) Esse deveria ser um dos temas centrais
das campanhas eleitorais, pois os eleitores é que pagam. E eles precisam saber
que já existem equipamentos eletrônicos que detectam com precisão onde há furos
e vazamentos e facilitam e apressam os reparos. Também precisam pressionar para
que a rede de financiamentos, principalmente federal, que praticamente não atua
nesse segmento das reparações, passe a fazê-lo. Hoje, como os reparos nas redes
não são prioritários, é preciso buscar
água cada vez mais longe em todos os lugares, a altíssimos custos e tendo de
enfrentar a disputa entre municípios.
Da mesma forma, é preciso enfrentar com a questão do uso das
águas subterrâneas, inclusive no município de São Paulo. Boa parte do uso é
feito sem licença e sem fiscalização -
ameaçando os aquíferos. Já há cidades como Ribeirão Preto (mais de 500 mil
habitantes) que não usam um só litro de água superficial, por causa da poluição.
Ou Manaus, cercada por dois dos maiores rios do país (Negro e Solimões).
E que se pode dizer de uma megalópole como São Paulo, com
tais problemas de abastecimento, ter de conviver com a impossibilidade de usar
a água de rios como o Tietê e o Pinheiros, assoreados e poluidos? Na infância,
o autor destas linhas chegou a assistir a uma “Travessia de São Paulo a nado no
rio Tietê”; hoje, os competidores correriam
riscos altíssimos com a poluição.
Como aceitar também o
assoreamento impedindo o uso desses rios como via de transporte ? Ou com o fato
de centenas de milhares de pessoas viverem em áreas de preservação, à beira de
reservatórios de abastecimento, em casas sem estrutura sanitária ? Ou ainda que
não se cumpra a legislação que obriga, em muitos municípios, a manter , em cada
imóvel, principalmente industriais e comerciais, espaços para a infiltração de
água de chuva (impedindo inundações) e manutenção de depósitos que permitam o reuso dessa água, como lembra
o projetista Jack Sickermann – acentuando a responsabilidade de arquitetos e engenheiros
e lembrando que o retorno dos
investimentos é cada vez mais rápido, assim como o custo é gradativamente
menor.
Da mesma forma, como entender que não se priorizem projetos
para a adequação do sistema de drenagem urbana nas cidades, onde, insuficientes
e desgastados, contribuem para inundações – ao invés de serem integrados em
grandes sistemas de reuso da água para fins compatíveis ?
Também é preciso dar prioridade à questão do uso de água em
pivôs centrais na zona rural, com grande parte deles perdendo (com a aspersão a
grandes alturas) boa parte do que capta. Essa perda não repõe todo o líquido no
subsolo, por causa da evaporação e da compactação da superfície do solo E ainda contribui para levar altos volumes de
nitrogênio para os rios e para mar, onde contribuem para a multiplicação de
algas.
Enfim, há muitos caminhos a serem trilhados, que podem
evitar tanto o desabastecimento como o racionamento, sem ter de recorrer
necessariamente a obras caríssimas. E cabe à comunicação debater tudo isso com
as comunidades. A estas, cabe optar pelos caminhos mais adequados e menos caros
que lhes apontem. Não é possível seguir numa trilha em que as soluções pareçam
impossíveis ou só viáveis a custos estratosféricos. Pode haver custos
adequados.