Em 2003, depois de se estafarem
com a vista grossa dos banqueiros para os problemas ambientais do mundo, os
franceses François-Ghislain Morillion e Sébastien Kopp decidiram abandonar a
promessa de uma carreira estável nos bancos Société Génerale e Morgan Stanley
para viajar pelo mundo. Mas não como turistas. O adeus a Nova York estava
ligado à missão de prestar consultoria em negócio sustentável para multinacionais francesas em países
emergentes.
O trabalho - apesar de resultar
em decepção para quem esperava ver empresas responsáveis - serviu de inspiração para a criação de um
produto verde:
um tênis totalmente made in Brazil (feito no
Rio Grande do Sul com algodão orgânico do interior do Ceará e borracha da
Amazônia), que começou a ser vendido no País em setembro.
A ideia do calçado nasceu depois
de a dupla conhecer o modelo de negócio diferente da companhia de alimentos
francesa Alter Eco, um de seus clientes, que comprava palmito de pupunha de uma
associação de produtores de Rondônia que, por sua vez, beneficia agricultores
que cultivam alimentos com grande preocupação de preservar a natureza.
Ali, os amigos perceberam que o produto
que chega às prateleiras pode, de fato, ter uma história positiva por trás. E o
Brasil, com ONGs e cooperativas parceiras, pareceu-lhes o ambiente ideal para
dar início a um negócio verde.
Assim surgiu a marca de tênis
Veja, em 2005. O algodão (que vira a lona do calçado) é cultivado, sem insumos
químicos, por associações de agricultores do País. A maior parte da pluma vem
da cidade de Tauá, no interior do Ceará. A produção envolve 700 famílias que
vendem a matéria-prima diretamente à empresa.
A borracha vem da Cooperativa
Chico Mendes, que inclui 40 famílias de seringueiros donas do próprio negócio.
O leite que eles extraem da árvore (sem cortá-las) passa por um processo que
dispensa a passagem por usina e garante uma matéria-prima sem impurezas. Outro
componente do tênis, o couro, é curtido com extrato de acácia, em vez de metais
pesados. O objetivo é reduzir a poluição das águas.
Tanto cuidado assim tem seu
preço. O quilo da borracha responsável, por exemplo, custa R$ 7, o
dobro da usada comumente na indústria. Se
optasse pelas matérias-primas usuais, no Brasil, o
custo da produção cairia pela metade, segundo a
empresa. Na China, a economia seria de 100% na produção.
Mesmo assim, o tênis não sai mais
caro que outras marcas - entre R$ 195 e R$ 289. A empresa não faz publicidade
e, portanto, não precisa embutir no valor do calçado esse gasto. Morillion e
Kopp (os únicos sócios da companhia) vendem cerca de 120 mil pares por ano -
70% na França. O produto é exportado para o mercado francês desde 2005, mas só
agora começa a ser comercializado no Brasil. Aqui, foi batizado de Vert (verde,
em francês), já que Veja
seria associado à revista.
Os franceses esperam cair no
gosto do brasileiro. O tênis deve aparecer no pé de uma das atrizes da próxima
novela das nove da Rede Globo - a custo zero, segundo a empresa. Ganhar mercado
fazendo um comércio
justo, no entanto, não é fácil. As margens de lucro são menores e é preciso
avaliar se o consumidor está pronto
para comprar o seu produto. Talvez a
consciência do brasileiro no âmbito social seja mais forte do que no ambiental, diz Romain Michel, diretor da marca francesa de camisetas
Tudo Bom no Brasil.
A empresa, que também usa algodão
orgânico de Tauá, fechou recentemente a única loja que tinha no Rio depois de
um ano de operação. O objetivo é dar prioridade ao mercado europeu, onde o
negócio tem obtido sucesso. A receita da empresa dobrou no último ano.
A Vert espera faturar 6 milhões
em 2013 - valor sete vezes maior que o de 2006. É um patamar distante dos
bilhões das multinacionais. Mas, segundo o presidente da consultoria de
inovação Mandalah, tem crescido no nicho dos grandes a
noção de que ganhar dinheiro e fazer a coisa
certa devem caminhar lado a lado. A questão é pô-la
em prática. As informações
são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Exame.com