Reabilitação é possível, mas jornada
para tornar um dos cartões postais de SP num rio limpo, agradável e que convide
o paulistano à contemplação não é fácil – nem curta
Encontrar tecnologias adequadas é um
passo importante para recuperação do rio. Mas não é tudo
O espelho negro em
que o rio Pinheiros se transforma sempre que o sol se põe na cidade de São
Paulo, possível de se observar pelas janelas de qualquer um dos arranha-céus de
m² valioso que o margeiam, é um espetáculo de efeitos múltiplos. Começa com um
sentimento de encantamento misturado com um quê de surpresa e finda numa
sensação de decepção acompanhada do pensamento “pena que é sujo e fedido”.
Mas isso pode mudar.
Com um chamada pública, aberta até o dia 19, o governo paulista quer encontrar
uma nova tecnologia capaz despoluir as águas do Pinheiros, hoje considerado um
rio biologicamente morto, formado 80% por esgoto. A iniciativa sucede uma
tentativa anterior de despoluição, que durou dez anos e demandou mais de 100
milhões de reais em investimento.
Baseada na técnica da
flotação, que usava produtos químicos e oxigênio para transformar a sujeira em
lodo, facilitando sua retirada posterior, a empreitada foi suspensa em 2011 por
não descontaminar de forma satisfatória a água, que continuava com altos níveis
de metais pesados.
Encontrar tecnologias
mais adequadas é um passo importante no processo de recuperação do rio
Pinheiros. Só que sem outras ações coordenadas, o uso de aparatos e maquinarias
científicas pode se tornar inócua. Especialistas ouvidos pelo Portal EXAME.com são
unânimes ao afirmar que a ressurreição do
Pinheiros só vai acontecer se houver um grande pacto entre os governos
municipais e o Estado de São Paulo
Diariamente, milhares
de litros de esgoto sem tratamento chegam ao rio através de seus afluentes, 17
ao todo, que nascem em outros municípios. “Cada prefeitura precisa fazer a sua
parte, acabando com as ligações clandestinas de esgotos e melhorando também o
sistema de coleta e tratamento”, afirma Édison Carlos, presidente do Instituto
Trata Brasil.
À frente da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, a
ex-secretrária estadual do Meio Ambiente Stela Goldestein defende que para
trazer o rio de volta à vida é preciso rever estratégias. “A cadeia de
responsabilidade de fato tem que ser melhor definida, mas ao mesmo tempo faltam
políticas públicas suficientes de controle de cargas de poluição difusa".
Stela refere-se a tudo aquilo que é depositado sobre as superfícies e que é
carregado para o rio durante chuvas fortes e enchentes.
"Na prática, a reabilitação do Pinheiros depende também
em grande medida da mudança de postura de cada cidadão", diz. Não há
dúvidas. O pacote de bolacha ou a garrafinha de plástico atirados sem
escrúpulos no chão hoje serão inevitavelmente carregados para o rio durante a
tempestade de amanhã. Assim como o saco de lixo descartado em um lugar
impróprio também acabará se juntando ao sopão de sujeira cedo ou tarde.
E a parte que cabe à sociedade pode ir muito além de jogar o
lixo no lixo. Se estende aos hábitos de consumo. “Muitos dos produtos do nosso
dia-a-dia, como produtos de limpeza, contém altas concentrações de substâncias
que contaminam os rios, como fósforo e nitrato”, observa Malu Ribeiro,
coordenadora do Programa Rede das Águas, da SOS Mata Atlântica.
Especialista em recursos hídricos, ela sugere que a
população exija mudanças na legislação que obriguem à redução da concentração
dessas substâncias nos produtos. “Com uma gestão integrada, recursos
tecnológicos e financeiros, e principalmente participação social é possível
ressuscitar todos os rios que padecem no Brasil”, enfatiza Malu.
"Somente dessa forma será possível devolver o valor do
Pinheiros à paisagem local, seja como hidrovia ou para simples lazer, fazendo
com que ele deixe de ser um problema ambiental e passe a ser um ativo da cidade
e da população”, conclui.
Fonte: Exame