Washington Novaes
É difícil até de acreditar que
estejam ocorrendo simultaneamente fatos tão esdrúxulos na área energética
brasileira como os que têm sido estampados diariamente pela comunicação. Mas
que refletem como estamos perdidos em nossa estratégia - ou falta dela - nesse
setor vital. E como estamos perdendo um tempo e recursos que nos custarão muito
caro.
Em meio às notícias sobre apagões
e disputas de concessionárias com a área federal de energia, ficamos sabendo
(Folha de S.Paulo,14/2) que o governo "prepara uma mudança" em que,
"para não ficar tão dependente das hidrelétricas" e de eventuais
baixas no seu sistema de reservatórios de água, vai pôr as usinas térmicas para
funcionar ao lado das hidráulicas, "em um sistema híbrido ou
hidrotérmico". E isso poderá ser feito até com uso de carvão mineral ou de
novos projetos de usinas nucleares.
Como? - perguntará o cidadão.
Usinas a carvão não constituem o formato que mais poluentes emite, nesta hora
de tanto temor com aquecimento da atmosfera e mudanças climáticas? Não são de
energia muito mais cara até que a de turbinas eólicas, das quais temos muitas
dezenas já implantadas e sem funcionar - porque o governo não constrói as
linhas de transmissão? Não há térmicas a óleo diesel com custo de geração até
dez vezes mais alto que o das as eólicas? Usinas nucleares não estão sendo
desativadas na Alemanha, no Japão e em outros países, por causa da insegurança
e da falta de destino para o lixo nuclear produzido em seus reatores?
Não é só. Informa-se também que
agora, mais de duas décadas depois da construção da usina de Tucuruí, se
decidiu construir (a que custo?) a linha de transmissão que afinal levará sua
energia do Pará para o Amapá e o Amazonas - depois de esses Estados passarem
décadas consumindo energia gerada pelo caro e poluente óleo diesel, para
podermos destinar grande parte (a cada hora se fornece um número) da energia de
Tucuruí a empresas de outros países produtoras de alumínio e ferro gusa. Parte
delas foi fechada em sua origem e veio para cá exatamente para se beneficiar
dos preços subsidiados da energia de Tucuruí. Agora não se sabe quanto custará
a linha de transmissão rumo ao norte, que terá de partir de um ponto 300
quilômetros ao sul de Belém e cruzar grandes distâncias, depois de ultrapassar
o Rio Amazonas (por cima? Por baixo? A que preço?).
Enquanto isso, informa a
Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) que, tal como já ocorreu em
2012, o atraso na construção de linhas de transmissão de energia impedirá que
novos parques eólicos comecem a operar este ano (Folha de S.Paulo, 4/1) - e
isso custará R$ 600 milhões mais aos consumidores. Porque as usinas eólicas
construídas e que não podem operar recebem da mesma forma do governo, além de o
consumidor pagar mais caro pela energia de termoelétricas. E isso quando as
eólicas passaram a dominar os leilões de energia do governo federal em 2012 (10
de 12 projetos). Porque o preço médio da energia que fornecerão ficará em R$
87,94 por megawatt/hora (MWh), mais barato até que o de hidrelétricas.
Trocar energia eólica por
termoelétrica não condiz com as insistentes advertências que nos chegam de toda
parte. Ainda há pouco um diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse
no Fórum Econômico de Davos (mercadoetico, 12/2) que "as próximas gerações
serão assadas, tostadas, fritas e grelhadas" se não formos competentes
para lidar com as questões do clima. E o presidente do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), Jim Yong Kim, acrescenta que "o aquecimento põe em
risco o desenvolvimento de outros setores, inclusive o econômico".
Mas nós seguimos agravando nosso
déficit na balança comercial importando mais insumos energéticos, como
petróleo, gasolina, diesel, querosene de aviação, até etanol. Enquanto isso, o presidente
Barack Obama - apesar das contradições internas dos Estados Unidos nesse tema -
coloca a questão do clima como um dos tópicos centrais de sua mensagem de
início de mandato: "Os seres humano estão influenciando mudanças no clima
de forma sem precedentes; em 50 anos a temperatura terrestre subirá 2 graus
Celsius; as chuvas, 5%; o nível do mar, 8 polegadas; e as populações mais
vulneráveis serão as pobres e indígenas". Chegou a dar um ultimato ao
Congresso: ou ele aprova um plano para reduzir as emissões, "ou a Casa
Branca irá sozinha". Segundo o presidente, "podemos acreditar que a
supertempestade Sandy, a mais severa seca em uma década, os piores incêndios
florestais são apenas coincidência. Ou acreditar no esmagador julgamento da ciência
- e agir antes que seja tarde" (Reuters). É evidente que há e haverá
contradições, com os Estados Unidos, enquanto isso, voltados para gigantescos
projetos na área de combustíveis fósseis, especialmente os da extração em
rochas de xisto e no Ártico. Mas não anulam as advertências.
No Brasil, "o governo está
desmantelando o sistema elétrico", diz Roberto D'Araujo, do Instituto de
Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina) - citado por Mário
Osava em Inter Press Service (IPS), 8/2. Enquanto isso, os preços da energia
dobraram desde 1995 e os subsídios aos combustíveis em geral chegaram a US$ 2
bilhões mensais. Nesse quadro, a Petrobrás, já às voltas com os graves
problemas mencionados há pouco por sua presidente, não consegue discutir com a
sociedade como será a polêmica exploração da camada pré-sal (que tem isso que
ver com a retórica oficial do governo de reduzir as emissões e aceitar
compromissos na área do clima?). Que tecnologias pretende utilizar? A que
custos financeiros? E com que riscos ambientais, para os quais tem sido
alertada? Quanto custaria o petróleo, sabidamente de alto teor de enxofre e
problemática emissão? Quem o compraria, nessas condições?
E assim vamos, com grande parte
do mundo (Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Japão, até a Arábia Saudita) caminhando
a largos passos para as energias eólica e solar, enquanto por aqui ficamos
enredados na confusão, nos apagões, em mais custos, etc.