Por André Trigueiro
Chegam de diferentes partes do
mundo sinais cada vez mais evidentes de que os investimentos em fontes limpas e
renováveis de energia vão modificando com rapidez surpreendente a configuração
da matriz energética. Durante o carnaval, com o Brasil ainda sob o reinado de
Momo, a Associação de Energia Eólica da China informou que o vento ultrapassou
em importância a energia nuclear naquele país. Segundo o comunicado, em 2012 a
geração eólica alcançou a marca de 100 bilhões de quilowatt-hora (Kwh) fazendo
com que o vento assumisse a terceira posição no ranking da matriz energética
chinesa, atrás do carvão e da hidroeletricidade. O objetivo do governo de
Pequim é fazer com que a energia eólica cresça mais de 50% até 2015.
Enquanto os chineses celebravam o
feito, os norte-americanos comemoravam um outro recorde: 2012 entrou para a
história como o ano que os Estados Unidos mais investiram em energia eólica.
Com o acréscimo de 13,1GW de capacidade instalada na rede (o vento foi a fonte
de energia que mais cresceu ano passado naquele país) os americanos evitam a
emissão de 96 milhões de toneladas de C02 por ano, ou 1,8% das emissões totais.
De acordo com a Associação de Energia Eólica dos Estados Unidos, os
aerogeradores já produzem energia suficiente para abastecer 14,7 milhões de
lares. E os investimentos prosseguem no embalo do segundo mandato do presidente
Barack Obama, que na terça-feira “gorda”, enquanto os foliões se esbaldavam no
último dia de carnaval por aqui, renovava seus compromissos em favor de novas
fontes de energia no tradicional discurso Estado da União, no Congresso
americano. Obama propôs uma nova legislação para reduzir ainda mais as emissões
de gases estufa, sugeriu a criação de um fundo que financie o desenvolvimento
de novas tecnologias para carros e caminhões, “para que eles deixem de usar
petróleo para sempre” e lançou como meta para os próximos vinte anos cortar
pela metade o desperdício de energia nas casas e empresas americanas.
Do outro lado do Oceano
Atlântico, no velho continente, os espanhóis iniciaram o ano batendo um novo
recorde de produção de energia eólica (em 16/1) com mais de 345 mil MWh em um
único dia. De acordo com as autoridades locais, a marca equivale a quase 40% de
toda geração de energia no país naquela data, incluindo todas as demais fontes
renováveis, nuclear e fósseis. O vento dominou a matriz energética durante mais
de dez horas, superando neste período os 14 mil MW.
Na Austrália, maior exportador
mundial de carvão (onde este recurso é abundante), a produção de energia eólica
já se tornou mais barata que a gerada por termelétricas a carvão ou gás.
Segundo o diretor da Bloomberg New Energy Finance (BNEF), Michael Liebreich “a
energia limpa é um agente de transformação que promete virar de cabeça para
baixo a economia dos sistemas de energia”.
Outro país que também festejou
muito os resultados de 2012 foi a Alemanha. No ano passado, o país registrou um
aumento de 45% na produção de energia solar, recorde histórico. Graças à
instalação de mais 1,3 milhão de sistemas fotovoltaicos, 8 milhões de
residências foram abastecidas com energia solar naquele país. O diretor da
Associação da Indústria Solar da Alemanha afirmou que os investimentos no setor
quadruplicaram nos últimos três anos. Com a produção em escala, o preço das
placas fotovoltaicas caiu pela metade. Merece registro o fato de que a Alemanha
é um país com muito menos radiação solar do que o Brasil.
Falando em Brasil, avançamos na
expansão da energia eólica em nossa matriz energética (o número de pessoas
beneficiadas pela energia do vento no país é de aproximadamente 12 milhões) e
no crescimento dos coletores solares para aquecer a água do banho (já são mais
de 2,5 milhões de coletores instalados). Mas não há ainda política definida
para a produção de energia elétrica a partir do sol. Fala-se abertamente no
governo na inclusão das térmicas a óleo, carvão e gás (hoje acionadas apenas em
períodos de forte estiagem) na matriz energética. Também se discute a
construção de novas usinas nucleares, a exploração do gás de xisto e, por fim,
a construção de novas hidrelétricas em áreas de floresta na Amazônia.
Se temos em nosso favor o
privilégio de poder realizar escolhas (na maioria dos países o cardápio de
opções energéticas é bem mais restrito que aqui), importa agir com
inteligência, visão de longo prazo, e considerar as novas diretrizes que regem
os investimentos globais em energia. Em resumo: fontes fósseis (ainda muito
importantes e prevalentes no mundo) perdem progressivamente prestígio e
importância (o Brasil do pré-sal é uma das exceções). E pela velocidade com que
os países desenvolvidos investem em inovação tecnológica na direção de fontes
mais limpas, a “descarbonização” da matriz energética parece ser o norte
magnético da bússola. Certo é que as escolhas que o Brasil fizer nos próximos
anos serão determinantes para a maior ou menor inteligência de todo o sistema
elétrico do país para além do século XXI.
Fonte: Globo.com