Bolos, sopas, pães, biscoitos recheados, lasanha, pizza,
hambúrguer, refrigerante… tudo o que é fácil de comer e já vem pronto (ou
quase) dentro de uma embalagem resulta de uma série de processos industriais –
o ponto central para classificar determinados produtos alimentícios como
ultraprocessados.
Alguns tipos de processamento de alimentos sempre
aconteceram na história. “A humanidade aprendeu a processar para conservar. A
carne, antes da geladeira, era conservada em banha ou sal”, diz Maluh
Barciotte, doutora em Saúde Pública e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas
Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, o NUPENS.
O problema é que, com o desenvolvimento industrial das
últimas décadas, cresceu vertiginosamente a fabricação de alimentos prontos em
larga escala, “vazios” em nutrientes e cujo consumo frequente acarreta
problemas de saúde como colesterol, diabetes, pressão alta e obesidade.
A industrialização do setor alimentício mudou os hábitos de
boa parte da população (especialmente nas cidades) e passou a ofertar produtos
com mais açúcar, mais gordura saturada, mais sódio, mas substâncias químicas
(como conservantes, aromatizantes e estabilizantes) e menos fibra do que o
recomendado para uma alimentação saudável. “A gente compra chocolate achando
que é chocolate e é só gordura hidrogenada com excesso de açúcar”, explica
Maluh.
Temperos de macarrão instantâneo e tabletes de caldos
prontos são um caso clássico de produto com sódio em excesso. “Se a gente já
tem no Brasil tantos temperos maravilhosos, por que precisa, além deles,
colocar um ingrediente ou caldos artificiais? Tudo fica com o mesmo gosto.
Quando você cria o seu tempero, faz uma comida mais com a sua cara”, sugere a
pesquisadora.
Para ela, os ultraprocessados são alimentos que perderam a
alma. “E o problema é que hoje isso virou sinônimo de comida. Para ser
saudável, a gente tem que cozinhar. É aquilo que se faz em casa, tem cheiro,
tem memória afetiva, que passa por gerações”, argumenta.
O que entra na classificação?
A proposta de classificação do NUPENS divide os alimentos em
três tipos:
Tipo 1: Frescos ou Minimamente Processados
São aqueles que não sofrem alteração ou passam por processos
que ainda mantém suas principais características nutricionais, como arroz,
feijão, carne (não enlatada), peixes, legumes verduras, grãos, frutas, sucos naturais,
cogumelos, leite fresco ou pasteurizado, iogurte sem adição de açúcar (de
preferência feito em casa), ovos e café.
Tipo 2: Ingredientes Culinários
São as substâncias usadas para preparar a comida do dia a
dia e que passam por processamento como moagem e refinamento. Alguns exemplos
são açúcar, farinha, amidos, sal, óleos vegetais e manteiga.
Tipo 3: Alimentos Ultraprocessados
Tudo o que é muito processado. São comuns em quase todas as
casas: pães (até o integral), biscoitos, bolos, sorvetes, chocolates, barras de
cereal, refrigerantes, pratos pré-preparados (aqueles congelados de
supermercado), hambúrgueres, produtos enlatados, sopas prontas, requeijão,
margarina e muitos outros.
Um exemplo importante são os embutidos – mortadela, salame,
presunto e salsicha. É importante não confundi-los com carne, que é
classificada como alimento fresco. “Eles passaram por tantos processos químicos
que perderam as características básicas de um alimento como a carne, com
proteínas e gorduras adequadas”.
Por que são perigosos?
Um dos maiores problemas é que o sabor do alimento não está
conectado aos nutrientes. “Um bolo de amêndoas industrializado, que vem na
caixinha, só tem sabor de amêndoas, mas não os nutrientes ligados àquele sabor.
É como se o organismo fosse enganado”, explica Maluh Berciotte. Algumas
características básicas dos ultraprocessados são:
- Têm alto poder calórico, mas com uma energia “vazia”. No
processamento, perdem os nutrientes e mantém as calorias. “É um excesso de
caloria que não nutre. O exemplo máximo disso é o refrigerante”, diz Maluh.
- Têm hiperpalatabilidade, ou seja, um sabor artificial
exagerado, que exacerba os nossos sentidos e cria um padrão de gosto no
organismo. “Uma criança acostumada a tomar refrigerante muitas vezes não consegue
tomar nem água”. O mesmo acontece com sucos. Se nos acostumamos a beber suco em
pó, dificilmente nosso paladar reconhece o sabor da fruta “de verdade” no suco
natural.
- São alimentos altamente disponíveis para consumo. Toda
essa facilidade se reflete no supermercado, com tantas opções nas prateleiras.
Nunca na história humana foi tão fácil consumir alimentos prontos. É só pensar:
quantas embalagens você compra que é só abrir e comer o que vem dentro?
- Contêm excesso de sal, açúcar, gorduras e substâncias
químicas como conservantes, estabilizantes, flavorizantes e corantes. Por isso
é tão importante ler os rótulos!
O que fazer?
Tentar reduzir a quantidade de alimentos muito
industrializados é o primeiro passo. Não há uma recomendação diária máxima para
consumo de ultraprocessados. “A ideia é quanto menos, melhor. Se possível, de
forma esporádica”, diz Maluh. “É importante que de 60 a 70% da alimentação
básica do dia a dia seja composta principalmente de alimentos frescos e
minimamente processados”. Muitas vezes é possível mudar padrões simples de
consumo e buscar adquirir, pouco a pouco, novos hábitos:
- Evite ingredientes refinados e “branqueados”, como açúcar
refinado e farinha branca. Opte por opções integrais.
- Busque alternativas para quando estiver fora de casa. Por
exemplo: batata doce tem um tipo de açúcar mais saudável que a batata normal.
“Fazer um lanchinho de bata doce para levar para o trabalho é algo
supersaudável”, comenta Maluh. Frutas e frutas secas também são sempre boas
opções para ter na bolsa.
- Evite levar crianças às compras. Elas são mais vulneráveis
às embalagens e produtos coloridos. Sem elas, fica mais fácil dizer “não” e
evitar guloseimas;
- Sempre que puder, evite os sucos de caixinha ou em pó
(prefira sempre os naturais) e tome o mínimo de refrigerante que conseguir;
- Procure comer frutas puras, sem disfarçar o gosto com
cremes e açúcar;
- Aprenda a cozinhar refeições simples e rápidas. É uma boa
forma de abrir mão da praticidade daquela pizza ou sanduíche congelados;
- Substituir o pão de padaria (feito com excesso de farinha
refinada) por pão caseiro já é um ganho para a saúde. “O ideal é que as pessoas
comecem a aprender receitas de pão, pode ser até de liquidificador”, propõe
Maluh;
- Se tiver esta opção, prefira feiras de rua ao
supermercado. As tentações são menores e a oferta de alimentos mais saudáveis
costuma ser maior.
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Fonte: Super Interessante