A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada
em 2011, estabeleceu que fabricantes, importadores, distribuidores e
comerciantes de produtos em geral deverão criar um sistema de logística que
possibilite reciclar os materiais que geram.
Um projeto desenvolvido na incubadora do Centro de Inovação,
Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), com apoio do Programa FAPESP Pesquisa
Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), deu origem a um sistema que permite a
empresas, shopping centers ou mesmo municípios pequenos com até 100 mil
habitantes, por exemplo, atender às exigências da nova legislação e ainda obter
receita ou diminuir despesas com a gestão racional de materiais recicláveis.
Denominada “Rede Resíduo”, a plataforma do Sistema Ciclo
conecta em rede, pela internet, grandes geradores de resíduos com recicladores,
transportadores e empresas de tratamento e disposição final.
Para isso, os geradores cadastram no sistema os lotes de
resíduos que querem vender, trocar, doar ou destinar, e as empresas que
procuram materiais para seus processos ou os recicladores de cada tipo de
resíduo manifestam o interesse pelas oportunidades de negócios, em um processo
de bolsa de mercadorias e serviços.
“A rede tem o objetivo de facilitar negócios e criar um
ecossistema que reúna todos os atores da cadeia de produção e de utilização de
materiais recicláveis”, disse Francisco Luiz Biazini Filho, um dos
idealizadores do projeto, à Agência FAPESP.
O projeto surgiu em 2005 como uma plataforma de comércio
eletrônico, batizada de “Dr. Resíduo”, que intermediava as transações
comerciais entre as empresas e atores da cadeia de reciclagem e cobravam um
percentual ou uma taxa fixa por esse trabalho.
Em 2011, foi reformulado para Rede Resíduo, com a proposta
de ser uma rede personalizada em que as próprias empresas geradoras podem fazer
a gestão racional de seus materiais recicláveis.
“Uma empresa geradora de resíduos tem que ter uma rede só
para ela, porque os materiais que gera são diferentes dos produzidos por
outras”, disse Biazini.
Além disso, de acordo com o especialista, pela nova PNRS, as
empresas passam a ser responsáveis pelos resíduos que geram até o final do
ciclo de vida deles.
Ao terceirizar a responsabilidade de gestão de resíduos,
segundo Biazini, as empresas podem ter que pagar mais caro, além de assumir o
risco de uma destinação inadequada, que pela nova legislação representa um
crime ambiental inafiançável.
“Cada empresa terá que cuidar dos resíduos que gera com
muito cuidado. E isso começa a ficar mais claro, principalmente para as grandes
empresas, que passam a montar suas próprias redes de resíduos com uma escala de
materiais recicláveis que podem comercializar e que conseguem administrar e
acompanhar por meio de um sistema de georreferenciamento que nosso sistema
possui”, destacou Biazini.
Geração de receitas
Uma das primeiras grandes empresas a implementar o modelo da
Sistema Ciclo foi a Camargo Correa. Em agosto de 2011, a construtora iniciou um
projeto piloto para implementação de uma bolsa corporativa de resíduos em três
canteiros de obras que administra no país: a usina hidrelétrica de Jirau, em
Rondônia, o Consórcio Ferrosul, em Goiás, e a Refinaria RNest, em Pernambuco.
A partir de março de 2012, a Camargo Correa começou a
ampliar o sistema para todos os 32 canteiros de obras que mantém em diversas
regiões do Brasil.
Por meio do sistema, em cuja implantação investiu cerca de
R$ 250 mil, a construtora comercializou 11,6 mil toneladas de metais, ao preço
de R$ 270 a tonelada, 700 toneladas de plástico, ao custo de R$ 686 por
tonelada, e 400 toneladas de papel, vendidas a R$ 280 a tonelada.
Quando todos os canteiros de obras que administra estiverem
integrados ao sistema, a Camargo Correa estima que deverá obter uma receita em
torno de R$ 2,5 milhões com a comercialização de resíduos.
“As empresas têm que se conscientizar que os resíduos que
geram não são lixo, mas sim recursos. O que para elas são resíduos, para outras
empresas entram como matéria-prima em suas cadeias de produção”, disse Biazini.
De acordo com Biazini, quase 30% dos resíduos gerados na
cidade de São Paulo são provenientes da construção civil residencial – o que
representa mais de 4,3 mil toneladas de materiais por dia, sem considerar as
construções de grande porte que geram cinco a seis vezes mais do que isso.
“Consideramos que até 80% destes resíduos são recicláveis, ou pelo menos poderiam
ser, e estão sendo enterrados em aterros sanitários”, disse.
“No Brasil, são enterrados R$ 11 bilhões por ano em material
reciclável, sendo mais de R$ 2,5 milhões correspondentes a resíduos plásticos,
que são recicláveis de alguma forma”, ressaltou.
Uma das críticas de Biazini e de outros especialistas em
gestão ambiental em relação à nova PNRS é que ela criou uma brecha para
instalação de usinas de incineração de lixo, em substituição aos aterros
sanitários (lixões).
Porém, segundo os especialistas, essas usinas de incineração
só podem ser alimentadas após a comprovação da implementação do ciclo completo
de gestão dos resíduos que primeiro prevê a redução, o reuso e a reciclagem e
somente após esses três processos é possível realizar o tratamento e a
disposição final.
“É preciso tomar cuidado em relação a isso, porque podemos
começar a queimar o dinheiro que pode ser gerado pela reciclagem de resíduos, e
ainda pagar para as usinas de incineração fazerem isso, em vez de enterrá-lo,
como acontece hoje”, ressalvou.
Fonte: Agência Fapesp