Ao transformar a natureza em atração, a atividade turística exerce impacto no meio ambiente, podendo provocar não só o esgotamento dos recursos naturais como também uma descaracterização cultural e desequilíbrio social na comunidade local, que recepciona os viajantes. Assim, se por um lado o turismo é um importante vetor para o desenvolvimento socioeconômico e cultural de um destino - uma vez que demanda obras de infraestrutura e gera empregos e renda -, é preciso buscar alternativas para minimizar seus possíveis efeitos negativos. Uma das soluções é a prática responsável dessa atividade - o chamado turismo sustentável, cujos fundamentos se resumem em eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. Ou seja, trata-se de desenvolver e manter a infraestrutura sem atitudes ofensivas ao ambiente, atendendo tanto às necessidades dos visitantes quanto da população local. No caso da hotelaria, um empreendimento sustentável é aquele que não só implementa ações focadas na redução do consumo de água, energia e produção de resíduos, mas que também ajuda a preservar o lugar e a cultura local, promovendo ações junto à comunidade e trazendo benefícios para a região.
A primeira premissa da
sustentabilidade na hotelaria é que o estabelecimento que adota essas práticas
é, necessariamente, mais lucrativo, uma vez que reduz a produção de lixo, o
consumo de energia, de água etc.", garante Helenio Waddington, presidente
da Associação de Hotéis Roteiros de Charme e dono do hotel Rosa dos Ventos, em
Teresópolis (RJ). Um dos primeiros a abordar o tema no Brasil há 20 anos,
quando só as universidades e a ONU falavam no assunto, as práticas adotadas por
Waddington em seu hotel são exemplares. A começar pela recuperação da área em
que está instalado. "Quando a fazenda foi comprada, em 1972, era uma área
só de pastos para gado e a Mata Atlântica nativa tinha desaparecido
completamente", lembra. "Nós cercamos a propriedade, colocamos placas
proibindo a entrada de homens e animais e hoje, 40 anos depois, a natureza se
regenerou totalmente, sem qualquer interferência humana, e toda a flora e fauna
características da Mata Atlântica voltaram", comemora. Uso de energia
solar, programas de reciclagem, horta orgânica e a organização de cursos de
hotelaria básica para a população carente do entorno - com aulas de educação
ambiental, agricultura orgânica e noções de higiene, civilidade e educação -
são outras medidas sustentáveis praticadas no Rosa dos Ventos. Waddington
também implantou outro projeto que serve de referência: o Programa de
Indicadores Ambientais. Em funcionamento desde 2004, e com uma equipe de
biólogos e engenheiros ambientais, faz um trabalho de campo que afere se os
pontos-chave do Código de Ética e Conduta Ambiental da associação estão sendo
implementados por seus 55 membros. Vários itens são analisados, como a
racionalização do consumo de energia elétrica, o alcance da reciclagem, o nível
de descentralização das responsabilidades de conduta ambiental do hotel e o
envolvimento de seus funcionários, hóspedes, fornecedores, prestadores de
serviço e da comunidade local.
Desde outubro de 2012, o programa passou a ter
também um aspecto educativo: por meio de convênios com faculdades das regiões
em que os hotéis se encontram, biólogos e engenheiros ambientais recém-formados
acompanham os colaboradores da associação e aprendem na prática esse trabalho.
"Além de formar pessoas, levamos a cultura ambiental para locais onde a
preservação ainda não é uma prioridade essencial para a população local",
resume.
O VERDADEIRO DESAFIO
"Aos empreendedores que
querem levantar essa bandeira e não sabem como começar, o ponto de partida é
envolver a população do entorno no projeto. Se não houver esse engajamento, as
chances de sucesso se reduzem". Foi com essa ideia na cabeça que Isney e
Marcelo Monteiro, proprietários da Pousada Lagoa do Cassange, na Península de
Maraú, na Bahia, conquistaram o respeito e a admiração da comunidade em que se
instalaram em 1994. Percebendo a precariedade da educação na região, o casal
improvisou uma escola para jovens e adultos dentro da pousada. É ali, em meio
aos hóspedes que cochilam na rede e consomem o artesanato local, que as aulas
acontecem. Quem deu uma mãozinha foi Giuliano Giovanni, pai de Isney, então
professor aposentado, que voltou à ativa. "Quando se fala em
sustentabilidade, as pessoas costumam se prender à questão ecológica de redução
de lixo, desperdício e reutilização de detritos para compostagem quando, na
verdade, o grande desafio é a integração social. O caminho é a relação com toda
a comunidade", avalia o empresário Edgar Werblowsky, fundador da Freeway
Ecoturismo e da Immaginare Turismo, que conhece o projeto de perto. "É uma
troca muito poderosa", completa. Sobre isso, Waddington é bastante
enfático: "Geralmente, a questão da gestão ambiental é tratada de cima
para baixo; ela começa com os administradores e vai descendo até os
funcionários da base do hotel. É o que chamamos de top down. Eu, pessoalmente,
não acredito nesse tipo de sistema. Acho que o único jeito de dar certo é
exatamente o contrário, o que chamamos de botom up. É descobrir qual é o
impacto ambiental junto com o pessoal da base do hotel, tentar entendê-lo e, a
partir daí, ir subindo na escala hierárquica, envolvendo todos, inclusive
fornecedores e vizinhos", elucida. "Temos que despertar a autoestima
do empregado de nível mais baixo; ele precisa achar que 'é o cara', perceber
que é o ator mais importante de todo esse processo", exemplifica
Waddington.
CARÁTER LOCAL
Em João Pessoa, o Verdegreen
Hotel reúne vários atributos necessários a um hotel sustentável: tem coleta
seletiva de lixo, aquecimento solar, sistema de ar-condicionado de baixo
consumo, elevadores inteligentes, iluminação natural em toda a área social,
reutilização da água de chuva e até com uma horta orgânica. Como se fosse
pouco, o empreendimento também criou o programa Atitude Verde, que executa
diversas ações voltadas à responsabilidade socioambiental. Por todos esses
motivos, recebeu o prêmio de Hotel Sustentável do Ano no GUIA QUATRO RODAS
BRASIL 2012. Outro bom exemplo é o Nau Royal, em Cambury (São Sebastião/SP),
que, além de utilizar o mínimo possível dos recursos naturais, também adota a
sustentabilidade como diretriz financeira, buscando parcerias que proporcionem
vantagens econômicas para todos os seus fornecedores. Por isso, foi escolhido o
hotel sustentável do ano no GUIA BRASIL 2013. Instalado no Parque Estadual da
Cantareira, em São Paulo, o Unique Garden Hotel & Spa procura desenvolver
nos funcionários a responsabilidade e a interação com o meio ambiente. Uma das
ações que visam à redução de resíduos é o uso de um coletor que emprega sacos
de 200 litros - uma vez preenchidos, eles são anotados em uma planilha que
registra a quantidade usada, favorecendo o monitoramento e eventuais ações
corretivas.
O material reciclado é doado para
o centro comunitário Mara Siaulys, que desenvolve atividades educativas na
comunidade do entorno.
EXEMPLOS INTERNACIONAIS
Fora do país, um bom exemplo vem
do Jake's Hotel Treasure Beach, na Jamaica, onde os gestores criaram uma
fundação para promover a educação, os esportes e garantir atendimentos de saúde
de emergência na região. Dirigida por um conselho de voluntários da comunidade
e financiada por subvenções, doações e pela venda de produtos, a Breds Treasure
Beach Foundation recebe ainda 1 dólar de cada diária paga no hotel. Assim, ao
longo de duas décadas, a instituição realizou projetos vitais para a sociedade
local, entre eles a construção de 30 casas e seis salas de aulas.
Projetos assim também alavancam
parcerias e podem trazer recursos empresariais para a comunidade. E se
planejados antes do investimento, garantem qualidade ao processo de
implementação e ao empreendimento. O visitante percebe isso pela forma com que é
tratado pelos colaboradores. Afinal, quando o funcionário se sente parte do
negócio, se orgulha e trabalha com dedicação, irradiando a sensação de
alinhamento com o hotel. No estado de Nova York, o Lake Placid Lodge dá um
exemplo diferente de integração com a natureza. Localizado no Adirondacks Park,
cercado de montanhas e lagos, o hotel organiza atividades diversas como
pescaria e canoagem, mas veta o uso de aparelhos eletrônicos dentro do
estabelecimento. O Novotel Lausanne Bussigny (Suiça), do grupo Accor, passou
por uma reforma que consumiu quase 12 milhões de euros mas deu ao hotel um
sistema de reciclagem de água de chuva, outro que aproveita o calor de
geladeiras, freezers e aparelhos de ar-condicionado para o aquecimento dos
boilers, isolamento vegetal no telhado, uma lareira alimentada por bioetanol no
lobby e um sistema de sensores de presença nos quartos que ativa e desativa
lâmpadas e equipamentos elétricos. Isso só foi possível graças ao compromisso
da rede com o planeta, que levou à criação dos departamentos de meio ambiente e
de desenvolvimento sustentável, respectivamente em 1994 e 2002.
Além disso, sob
o slogan "Aqui, suas toalhas plantam árvores", o grupo tornou-se
parceiro, em 2008, do programa mundial da ONU Plant for the Planet: Billion Tree
Campaign. E lançou um projeto para financiar, até o final de 2012, o plantio de
3 milhões de árvores em sete países onde marca presença: Austrália, Brasil,
Estados Unidos, Indonésia, Romênia, Senegal e Tailândia. Desde então a Accor já
bancou o plantio de 1,6 milhão de mudas, sendo 412 mil delas na América Latina.
De acordo com a coordenadora de desenvolvimento sustentável da Accor para a
América Latina, Julia King, a adesão dos hóspedes brasileiros tem sido
surpreendente. "Foram reutilizadas mais de 220 mil toalhas só no primeiro
semestre de 2011 e as economias obtidas no serviço de lavanderia se reverteram
no plantio de 47 mil árvores, transformando uma ação simbólica num benefício
concreto", contabiliza.
Além disso, desde 2009 a Accor investe em campanhas
de comunicação e treinamento dos funcionários envolvidos no projeto. E também
aposta nos escalões mais baixos do seu staf: no início deste ano, a empresa
levou 20 arrumadeiras de alguns hotéis no Brasil para realizar o plantio
simbólico de árvores no Parque da Serra da Canastra, em Minas Gerais, durante
um fim de semana. Como bem resume Waddington, "é preciso integrar o homem
ao contexto, pois não existe nada mais antiecológico do que a miséria".
- Gerar maiores benefícios
econômicos para a população local e aumentar o bem-estar das comunidades
receptoras, melhorando as condições de trabalho e de acesso ao setor.
- Envolver a população local em
decisões que afetam sua vida.
- Criar contribuições positivas
para a conservação da herança natural e cultural e para a manutenção da
diversidade.
- Promover experiências
memoráveis para os turistas, por meio de um contato mais significativo com os
habitantes, e uma compreensão maior das questões culturais, sociais e ambientais
do local.
- Ser culturalmente receptivo e
interessado, o que gera respeito entre turistas e anfitriões e constrói relação
de satisfação e confiança.
- Promover acesso fácil para
pessoas portadoras de necessidades especiais.
OS SETE PECADOS
O que o seu hotel deve evitar,
conforme relatório internacional da consultoria canadense Terra Choice
Environmental Inc., especializada em meio ambiente
1. Custo ambiental camuflado - O
rótulo destaca uma qualidade "verde" do produto, mas esconde outras características
que podem representar uma perda ambiental maior.
2. Ausência de prova - Faltam
dados provando que o produto é correto ambientalmente.
3. Incerteza - Quando o
consumidor confunde significados. Alguns exemplos estão nas expressões
"natural" (arsênio, urânio e mercúrio são naturais, mas venenosos) e
"ecologicamente correto", que por si só não querem dizer muita coisa.
4. Culto a falsos rótulos - O
produto transmite informação enganosa quando parece que tem um selo confiável e
não tem - tipo trazer o desenho de um planeta fofo que só "enche
linguiça" e confunde o consumidor.
5. Irrelevância - O rótulo
destaca informações desnecessárias. Um exemplo é quando a embalagem diz que
"não contém CFC" como se fosse um diferencial, sendo que essa substância
já foi banida por lei há anos.
6. "Menos pior" - O
benefício ambiental do produto é verdadeiro, mas esconde o impacto da sua
indústria como um todo. Por exemplo, pesticidas que se apresentam como
ecologicamente corretos.
7. Mentira - Quando a informação
é falsa. O segmento de cosméticos e higiene foi o que mais apresentou apelos
mentirosos.
CHECK-LIST PARA SABER SE O SEU
HOTEL TEM CARACTERÍSTICAS SUSTENTÁVEIS
- Há política ambiental e social?
- Existe um código de conduta
contra a exploração sexual?
- Tem alguma certificação
ambiental ou social?
- As ações socioambientais
realizadas pelo empreendimento são detalhadas e de fácil acesso ?
- Tem equipamentos que economizam
água e energia?
- Há programa de reuso de toalhas
e de roupa de cama?
- Oferece controle de energia por
chave-cartão?
- Faz reciclagem de resíduos? n
Faz compostagem de resíduos orgânicos?
- Existe um sistema de captação
de água de chuva?
- Evita o uso de embalagens
individuais de alimentos como manteiga, geleia e açúcar? n Disponibiliza
bicicletas para hóspedes?
- Evita o uso de embalagens
individuais de amenities com a utilização de distribuidores nos banheiros dos
quartos?
- Privilegia e oferece itens da
culinária local no cardápio?
- A estrutura é adequada para
receber hóspedes com necessidades especiais?
- Apoia alguma ONG local? n
Possui horta própria?
- Possui sistema de energia solar
e/ou eólica?
Fonte: Planeta Sustentável