O professor de engenharia ambiental e civil Benedito Braga - eleito presidente do Conselho Mundial da Água (World Water Council – WWC), em 19 de novembro deste ano, durante sua 6ª Assembleia Geral, em Marselha, na França - quer revigorar a capacidade do Conselho de produzir novas políticas mundiais sobre gestão e distribuição de água. Para tanto, a organização deve manter sua estratégia focada na segurança da água em três direções:
- para as necessidades essenciais humanas,
- para o desenvolvimento econômico e
- para a sustentabilidade ambiental.
No mesmo mês em que deixou o cargo de vice-presidente para
assumir a presidência do conselho, Braga participou do Fórum O Futuro da Água,
organizado pela revista Exame com apoio do Planeta Sustentável, e revelou dados
preocupantes como o fato de que apenas 2,5% da água do planeta é potável e só
0,007% dessa água está disponível para os seres humanos de maneira sustentável.
“É o que eu chamo de efeito James Bond”, provocou.
A gestão desses 2,5% de água doce eleva o desafio de
abastecer as pessoas com água a um patamar ainda mais alto. E o especialista
continuou: “A fragmentação institucional da gestão hídrica nos países em
desenvolvimento é um problema que deve ser encarado tanto em nível nacional
como internacional. Pelo menos 40% da população humana vive em bacias e rios
compartilhados por dois ou mais países. Para os rios transfronteiriços, a
questão da gestão desse recurso é uma barreira politica de difícil
transposição”.
O novo mandato no Conselho dura três anos, o que significa
que Braga ainda terá muito trabalho pela frente. O fato de 2013 ter sido
escolhido pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o “Ano Internacional
para a Cooperação pela Água” agrega ainda mais importância ao tema no mundo. O
Conselho deve aproveitar esse calendário para intensificar o debate e ajudar a
aumentar a conscientização para conquistar uma realidade diferente da atual, em
que cerca de 11% da população mundial ainda não possui acesso à água potável e
37% vive sem redes de esgoto.
A seguir, os principais pontos da entrevista que Benedito
Braga concedeu ao Planeta Sustentável, por telefone, em dois momentos - de
Marselha e já em São Paulo -, em meados deste mês.
Este ano foram realizados dois importantes eventos: a Rio+20
e o Fórum Mundial da Água, em Marselha, dos quais participaram ministros de
Estado, prefeitos, empresas e representantes da sociedade civil. Por conta
disso, acredita que o debate sobre água avançou mais? Pode-se dizer que o
resultado é positivo?
Creio que sim. O Fórum Mundial da Água foi realmente um
evento extraordinário. Levou mais de 35 mil pessoas ao Parc Chanot - Palais des
Congrès et des Expositions, em Marselha, para debater o tema. O encontro foi um
grande marco: participaram estados e governos, prefeitos e parlamentares, e o
Brasil teve participação bastante expressiva. Entre os Ministros de Estado,
esteve presente Izabella Teixeira, da pasta de Meio Ambiente. Já na Rio+20,
obtivemos resultado muito interessante com a inclusão de um capítulo inteiro
sobre água no documento final da Conferência. Desde os anos 1970, esta foi a
primeira reunião sobre meio ambiente das Nações Unidas em que o tema apareceu
com essa importância de fato, o que prova a relevância que tem conquistado nos
debates políticos mundo afora.
2013 será um ano tão promissor para a Água quanto este?
2013 será o Ano Internacional para a Cooperação pela Água, o
que significa que o sistema das Nações Unidas reconhece a importância da gestão
da água. O tema engloba inúmeras questões. Os países reconhecem a importância
da segurança hídrica. Ao falarmos em cooperação, falamos também a respeito do
transporte virtual da água por meio dos alimentos. Este ano devem acontecer
algumas iniciativas que trarão ainda mais luz ao tema. A aliança pela água promovida
por países áridos e semiáridos deve ganhar mais espaço. Neste ano, o Qatar –
onde foi realizada a COP18 - Conferência de Mudanças Climáticas - lançará a Aliança Global para Terras Secas (GDLA, na
sigla em inglês), que é uma parceria entre países áridos e semiáridos.
Portanto, eu acredito que 2013 vai ser um ano em que o debate sobre a água terá
bastante destaque, principalmente no que se refere à cooperação internacional.
Este ano, em entrevista ao Planeta Sustentável, o senhor
afirmou que SP vai enfrentar racionamento de água nos próximos dez anos. Ainda
dá tempo de fazer algo para evitar esse problema? Que outras cidades
brasileiras também correm esse risco? O que há de comum entre elas e a capital
paulista?
Caso as obras que são necessárias para garantir a segurança
hídrica de São Paulo não comecem já, daqui dez anos vamos enfrentar problemas
de abastecimento. Mas eu acredito que dá para evitar esse cenário apesar de
estarmos atrasados na implementação da infraestrutura necessária para atender a
demanda de consumo. Temos que fazer a transposição da água de bacias próximas e
criar reservatórios em áreas sensíveis. Mas essas iniciativas demandam tempo
para que possam ser aprovadas. Por isso, digo que é preciso começar já. Só que
o ritmo destas obras está muito aquém do esperado. Nenhuma dessas obras está
implementada no momento. Existem estudos, mas todos em estado inicial, ainda no
papel. Não existe nada de efeito em andamento nesse campo.
Estudo da ANA - Agência Nacional das Águas mostra que 50%
dos municípios brasileiros, num prazo de dez anos, vão enfrentar problemas de
fonte e de abastecimento de água. Por isso, devem fazer já o dever de casa, que
é montar essa infraestrutura. O racionamento ao qual me referi, portanto, não é
uma prerrogativa da região metropolitana paulista, mas de muitas outras
cidades. Enfim, o problema comum é o da fonte de abastecimento. Quer um
exemplo? São Paulo vai buscar água em quantidades enormes e cada vez mais longe. É preciso
achar um riacho, fazer uma barragem ou um poço de água subterrânea para se
conseguir mais água. O problema está na questão da fonte, na água que tem que
entrar na rede e não tanto da rede em si. Nem sempre a água do rio está em
condições de ser usada. Então, você tem que tratá-la e isso custa dinheiro. O
Brasil tem água em locais sujos ou que não têm fluxo regular, ou seja, que dure
o ano inteiro. Trazer essa água com segurança para as cidades é uma tarefa
extremamente difícil e cara.
O que governantes ao redor do mundo estão fazendo de melhor
e de pior na administração dos recursos hídricos? Há exemplos de boa gestão?
O que de pior pode existir é a ausência de gestão, como
ocorre em alguns países da África e da Ásia, seja pela falta de recursos
financeiros ou de recursos humanos. Também existem países que estão fazendo bem
seu dever de casa. O Brasil, por exemplo, no que se refere à gestão de
instrumentos legais vai muito bem, mas no que tange ao saneamento vai mal.
Nosso país tem mecanismos de participação pública na gestão dos recursos, a
França tem sistema semelhante, o México também tem um sistema bem evoluído. Já
a Índia é um país com grandes dificuldades porque a água é de competência dos
estados e, por isso, parece que há vários países brigando pelo recurso.
No mundo, que cidades mais sofrem com a escassez de água e
quais encontraram boas soluções para evitar uma catástrofe maior, adaptando-se
aos problemas?
Há alguns bons exemplos. Nos países em desenvolvimento é
mais difícil você ter uma situação tranquila. A cidade do México tem problemas,
São Paulo criou grandes lagos – como as represas Billings e Guarapiranga - e
vai por aí afora. Há lugares onde a população já está estável, não tem taxa de
crescimento alta, ou seja, onde as coisas estão mais controladas. Como Nova
York, por exemplo, que possui um sistema de abastecimento bastante estável.
Paris e Londres são outros bons exemplos. Em geral, as cidades do mundo
desenvolvido têm situação mais confortável que os países menos desenvolvidos.
Isso, no fundo tem a ver com crescimento populacional, com crescimento de
consumo e uma certa estabilidade nos países desenvolvidos. Mas nem nesses
países tudo é perfeito. Existem problemas na reutilização do sistema de
abastecimento antigo. Em Londres e Paris, ox sistemax já têm mais de 100 anos.
Com certeza, daqui a alguns anos será necessário fazer investimentos maciços
para reformá-los. Por outro lado, os países menos desenvolvidos precisarão investir
bastante para criar sua infraestrutura.
Qual é o papel do Brasil no debate internacional da gestão
da água?
O Brasil é um país que implementou, no final da década de
1990, uma legislação de gestão de recursos hídricos bastante moderna para a época.
Ele tem certa dificuldade, mas também tem uma moldagem institucional
interessante, que serve de exemplo para o mundo todo.
O que o Brasil pode fazer além de participar desse debate?
Estamos em condições de criar e exportar tecnologia para melhorar a
distribuição de água em regiões nas quais o recurso é escasso?
Sim, temos. Hoje, o Brasil tem conhecimento suficiente e
especialistas competentes para colaborar com os países menos desenvolvidos.
Pode, portanto, compartilhar tecnologias avançadas sobre gestão, tratamento,
captação e uso da água.
Na sua opinião, que medidas podem dar mais agilidade aos
comitês de bacias hidrográficas e aprimorar sua dinâmica?
No Brasil, há diferentes níveis de gestão: federal, estadual
e das bacias. Uma bacia hidrográfica pode passar por vários estados. E é aí que
a situação fica mais complicada porque quem detém o poder de administrar e
gerir o rio é o Estado. O comitê de bacias hidrográficas deve dialogar com os
diferentes estados e realizar uma gestão mais eficiente e racional. A bacia não
conhece os limites políticos, mas sim os físicos. Portanto, essa tarefa é de
extrema importância: trazer os diferentes estados para o debate. Assim sendo, o
comitê de bacias é elemento imprescindível nesse cenário, mas precisa estar
capacitado para promover o diálogo entre diferentes detentores do poder de
administração, seja federal, com a ANA ou dos poderes estaduais.
Você acredita em um cenário no qual a população mundial terá
acesso à água e que ela será utilizada de forma mais inteligente, sem
desperdícios? O que é preciso para que isso se torne realidade?
Sou otimista, por isso acredito que sim. Iniciativas como as
do Conselho, o interesse das Nações Unidas pelo tema e a organização de países
que começam a mostrar grande preocupação com a boa gestão da água e que
reconhecem o acesso à água como direito humano em suas constituições são sinais
de que estamos caminhando pra isso. Mas é preciso reunir recursos financeiros
para os países pobres. Os países ricos precisam se compenetrar e ajudar os mais
pobres a atingir essas metas. Devem promover a ajuda aos países pobres de forma
independente. O International Aid, por exemplo, precisa ser revisto e colocado
de forma lógica, objetiva, com resultados e metas bem definidos. Mas eu
acredito que chegaremos lá!
Fonte: Planeta Sustentável