Em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, o Dia
Internacional dos Direitos Humanos, celebrado esta semana, ganhou um sentido
prático para 60 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no município.
Mais do que ouvir adultos falarem sobre seus direitos, eles colocaram a mão na
massa e produziram uma revista em quadrinhos para dialogar diretamente com
crianças e adolescentes sobre o tema. O resultado do trabalho foi lançado hoje
pela Fundação Criança, órgão municipal responsável pela política da infância, e
será distribuída em todas as escolas públicas do município.
Pedro Silva*, de 16 anos, participou, junto com os colegas,
de oficinas sobre desenho e direitos humanos durante seis meses. “Já sabia
desenhar e agora aprendi mais ainda”, disse. Ele está feliz pela publicação e
espera que a cartilha possa ajudar outros adolescentes a conhecerem seus
direitos. “Muita coisa eu só fiquei sabendo na fundação. A gente passa por
tanta coisa na rua, porque não sabe o direito que tem”, declarou. Dentre os
assuntos que mais interessaram Pedro na construção da cartilha, ele cita o
direito de ir e vir e o de não ser agredido.
O promotor de Justiça da Infância, Wilson Tafner, aponta, ao
analisar o perfil dos adolescentes em conflito com a lei, que a ausência de
políticas públicas para a infância tem relação direta com a incidência das
infrações. “Cerca de 15 bairros de São Paulo, dos mais de cemque o município
tem, concentram a maior parte desses adolescentes. No geral, são regiões bem
afastadas do centro e com baixo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]. Extremo
sul, leste e parte da zona norte”, disse.
Tafner destaca que muitas vezes o Estado só chega a essas
famílias quando as infrações são cometidas pelos jovens. O promotor atuou no
início dos anos 2000 no enfrentamento à violações sofridas na antiga Fundação
do Bem-Estar do Menor (Febem). Na época, até mesmo casos de tortura foram
identificados.
Para o presidente da Fundação Criança, Ariel de Castro
Alves, o trabalho por meio da arte ajuda a envolver os adolescentes em
atividades positivas. “O nosso trabalho é criar um novo projeto de vida para
esses jovens, no qual eles possam estar engajados na cidadania”, explicou. Ele
acredita que a produção da cartilha, por exemplo, potencializa talentos e torna
os adolescentes protagonistas de um trabalho do qual eles se orgulham. “Se o
Estado excluir, o crime vai incluir”, declarou.
A coordenadora do Centro de Atendimento de Medidas
Socioeducativas da fundação, Maria Lúcia de Lucena, acredita que essas ações
ajudam a diminuir o estigma ao qual os adolescentes estão submetidos, tendo em
vista que colocam em diálogo jovens de universos diferentes. “Quem receber o
material vai saber que ele teve a participação de jovens que cumprem medida de
liberdade assistida e de prestação de serviços comunitários. Isso faz com que
eles estejam no mesmo patamar”, avaliou.
O estigma é uma das principais preocupações do adolescente
de 14 anos Rodrigo Santos*. Ele construía a passos largos o sonho de ser
jogador de futebol, quando o desejo de consumo o levou ao tráfico de drogas.
“Jogava na seleção de base. Fui vender drogas para comprar uma corrente de
prata que minha mãe não podia dar”, relembra. Ele tem receio de não poder
voltar ao time. Após cumprir a medida, além de jogar futebol, ele quer voltar a
dar orgulho a sua mãe. “Ela ainda vai se orgulhar muito de mim. Se não for como
jogador de futebol, vai ser como engenheiro”, disse.
A revista em quadrinhos, que também ganhou uma versão em
audiobook para pessoas com deficiência visual, aborda temas como o contexto
histórico do surgimento da Declaração Universal dos Direitos Fundamentais do
Homem, lançada no pós-guerra em 1948, e a formulação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), em 1990, após a promulgação da Constituição.
Fonte: Ciclo Vivo