Por Ricardo Abramovay*
Metade da população mundial encontra-se hoje em 19 países
asiáticos, cujas economias foram estudadas pelo Sustainable Europe Research
Institute (Seri) de Viena com base numa pergunta decisiva para o
desenvolvimento sustentável: em que consiste o metabolismo que estas sociedades
estabelecem com a natureza?
Trata-se de saber como são usadas as bases materiais em que
se apoia a oferta de bens e serviços que compõem a riqueza de diferentes
países. Para isso, são estudados quatro tipos de materiais absolutamente
indispensáveis para a vida moderna: biomassa, energias fósseis, minerais e
produtos metálicos. São produtos cuja oferta não é infinita e cuja utilização
aumenta com a população e a riqueza.
O caráter limitado de sua oferta exige que se coloquem duas
questões fundamentais quanto ao seu uso: a primeira refere-se à eficiência com
que são extraídos da superfície terrestre, transformados, utilizados e, quando
for o caso, reutilizados ou reciclados. Nas sociedades contemporâneas, parte
cada vez mais significativa das inovações tecnológicas volta-se para a redução
da energia empregada na obtenção destes materiais, a diminuição de sua presença
nos diferentes produtos e a ampliação das chances de sua reutilização. Este é o
objetivo fundamental dos sistemas de inovação focados na sustentabilidade.
Mas há uma segunda questão central que não pode ser evitada
diante da escassez relativa dos materiais de que depende a vida social: a que
finalidade sua utilização se destina? Que grupos sociais são principalmente
beneficiados com seu uso? Quais seus efeitos globais sobre o bem-estar da
espécie humana?
Os 19 países asiáticos estudados pelo Seri compreendem 90%
da população asiática (sem contar a Rússia e os antigos componentes da União
Soviética) e 20% do PIB mundial. São imensas as desigualdades entre eles, já
que na lista estão Japão, Coreia, Israel, Cingapura, mas também China, Índia,
Indonésia, Bangladesh, Tailândia e Paquistão. Como é a região de maior
crescimento econômico do mundo, seu metabolismo social é uma das mais
importantes questões globais da atualidade.
Em 2005, o consumo dessa metade da população mundial exigia
que se retirassem da superfície terrestre, anualmente, 18 bilhões de toneladas
destes quatro tipos de materiais (biomassa, minérios, metais e combustíveis
fósseis). Este total era de nove bilhões de toneladas em 1985. Na época, esses
países consumiam 22% dos recursos mundiais, proporção que passa para 31% em
2005. A Ásia é hoje o centro da economia mundial, não só em termos de
crescimento econômico e consumo, mas também é a região em que mais se eleva o
ritmo de utilização de materiais e energia. E essa utilização é marcada por uma
dupla desigualdade, sem cujo enfrentamento é impossível sequer conceber a ideia
de desenvolvimento sustentável.
A primeira refere-se à quantidade de materiais utilizada
pelos indivíduos e pelas diferentes economias. Enquanto Japão, Cingapura,
Israel e Coreia têm média de 11 a 15 toneladas per capita de extração de
materiais, Bangladesh não vai além de 1,1, a Índia fica em torno de 2,8, e a
China atinge 6,2 toneladas per capita. A média europeia é próxima à dos mais
desenvolvidos países asiáticos, e a do Canadá e dos Estados Unidos chega a 25
toneladas per capita. Não há como ampliar a infraestrutura desses últimos países
sem que aumentem os materiais de que depende a construção de novas estradas,
fábricas, hospitais, bibliotecas, enfim, das condições indispensáveis para o
próprio desenvolvimento. Ao mesmo tempo, como imaginar que este uso chegue ao
nível dos países desenvolvidos sem exaustão destes recursos?
Daí a importância de uma segunda desigualdade, cujas bases
são as diferenças de avanço científico e tecnológico entre os países: a mesma
quantidade de materiais pode resultar em utilidades muito maiores a depender da
maneira e das finalidades com que são empregados. Em outras palavras, a
produtividade material das economias é muito variada. No Japão, cada tonelada
de material consumida resulta na produção de quase US$ 2,5 mil. Na média
asiática, este valor vai pouco além de US$ 500 e na média mundial fica aquém de
US$ 650. Sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade têm justamente a
função de permitir que a mesma unidade de materiais se exprima em quantidade
cada vez maior de riqueza. Isto se obtém pela ampliação na própria eficiência
com que os materiais são empregados. Aumentar a produtividade dos recursos é,
certamente, uma das bases do desenvolvimento sustentável.
E neste particular, o trabalho do Seri apresenta duas
conclusões preocupantes. Em primeiro lugar, nos países que mais crescem neste
conjunto asiático, o uso de recursos acompanha pari passu a própria ampliação
na oferta de bens e serviços: o crescimento não se emancipa, não se descola de
sua dependência com relação aos bens materiais finitos dos quais ele depende. E
a segunda conclusão é que parte da capacidade, que tiveram os países mais ricos
de descasar relativamente seu crescimento dessas bases materiais, deriva de
avanço científico e tecnológico, mas também do fato de que suas indústrias mais
sujas e pesadas foram transferidas para nações mais pobres.
O resultado é que, por mais importante que sejam as
inovações tecnológicas na emergência do desenvolvimento sustentável, será
necessário igualmente discutir a que finalidades e com que benefícios sociais
são usados os recursos ecossistêmicos em que o crescimento econômico se apoia.
Utilizar ferro, plástico, borracha e vidro para produzir automóveis que
congestionam as regiões metropolitanas, e usar terra, adubos e agrotóxicos para
oferecer alimentos que resultam em crescente obesidade são formas cada vez
menos admissíveis de estimular as atividades capazes de garantir sucesso na
luta contra a pobreza. Na raiz das doenças metabólicas das sociedades
contemporâneas, está o próprio sentido de suas atividades econômicas.
* Ricardo Abramovay é professor titular da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações
Internacionais (IRI), ambos da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da
Fapesp, e autor de Muito Além da Economia Verde, lançado na Rio+20 pela Editora
Planeta Sustentável.
** Publicado originalmente no site Ricardo Abramovay.